COMPRA SUSPEITA

Brasil pagou 1000% a mais em vacina indiana que valor informado por embaixada no país

Contrato foi assinado com empresa atravessadora nacional, que comprou 20 milhões de doses e revendeu ao governo federal

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Presença de empresa brasileira intermediária nas negociações levanta suspeita na CPI da covid - Arun SANKAR © / AFP

O governo federal brasileiro adquiriu a vacina indiana Covaxin por um valor 1000% maior do que o anunciado pela própria fabricante - segundo correspondência oficial de autoridades diplomáticas brasileiras na Índia - seis meses antes. 

A informação foi revelada nesta terça-feira (22) pelo jornal "O Estado de S.Paulo" e consta de documentos sigilosos obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado. 

Em agosto de 2020, comunicado oficial e secreto da embaixada brasileira na Índia informava que cada dose do imunizante, produzido pela empresa Bharat Biotech, custaria US$ 1,34 ao Brasil, o equivalente a R$ 6,64, pelo câmbio desta terça.

A negociação entre as partes seguiu até que se concretizasse a compra em fevereiro deste ano, mas com valores em nada semelhantes aos informados na comunicação secreta revelada pelo jornal. O contrato foi firmado não pelo valor de menos de dois dólares por dose, mas sim por US$ 15,00 a unidade, pela compra de 20 milhões de doses, totalizando em um desembolso de R$ 1,6 bilhão do governo brasileiro. A aquisição foi feita com dispensa de licitação. 

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Os preços são bem superiores, por exemplo, do que os observados no contrato com a Astrazeneca, de R$ 1,9 bilhão pela aquisição de 100 milhões de doses, três vezes mais barato do que o governo de jair Bolsonaro (sem partido) pagou pelo produto da Covaxin. 

Os documentos sigilosos apontam ainda que o governo federal não negociava a compra das doses diretamente com a farmacêutica Bharat Biotech, mas sim com uma empresa brasileira, a Precisa Medicamentos.

A prática destoa das negociações com outros laboratórios, conduzidas diretamente entre o governo federal e os fabricantes, além de não estar de acordo com os princípios do Direito Administrativo brasileiro, que determinam que a administração pública deve sempre buscar a forma de negociação que onere o menos possível os recursos da coletividade.

O governo brasileiro, ao longo do processo administrativo formal previsto em lei para compras públicas, em nenhum momento apresentou qualquer justicativa para ter executado o negócio com a participação de um atravessador que onerou de tal maneira os cofres da União. 

Assim, a negociata que se deu levanta suspeitas dos parlamentares da CPI no Senado. Nesta terça-feira, o Ministério Público Federal, que já investigava a empresa em um inquérito civil por improbidade em um contrato com o governo do Distrito Federal, transferiu as investigações para o 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa, acrescentando os fatos ligados à compra das vacinas indianas aos autos. 

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Um dos sócios da empresa, Francisco Maximiliano, teve a quebra dos sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário aprovados pela CPI da Covid. Ele foi convocado para prestar depoimento nesta quarta-feira (23) à comissão, mas já adiantou que não irá comparecer, sob o argumento de estar cumprindo quarentena obrigatória após viagem para a Índia. 

Outro lado 

A Precisa afirmou, após as revelações do jornal paulista, que o valor negociado com o governo brasileiro está em linha com o praticado em contratos efetuados com outros países.

Disse ainda que a vacina foi comercializada pela Bharat Biotech com o governo indiano por um valor menor do que o vendido no exterior, já que o país asiático teria investido recursos na produção do imunizante, e que seria em relação a este valor reduzido que versava o telegrama secreto revelado pelo órgão de imprensa. 

Já o ministério da Saúde informou que o pagamento das vacinas será feito “somente após a entrega das doses”, mas não se pronunciou a respeito dos valores pagos ou sobre a presença de uma empresa atravessadora na aquisição dos imunizantes.

Edição: Vinícius Segalla