Em seu último chilique, nesta segunda (21), em Guaratinguetá (SP), Jair Bolsonaro mandou uma repórter de uma afiliada da Rede Globo calar a boca e chamou ela e sua equipe de "canalhas". Também xingou a própria emissora e criticou a CNN.
Pelo menos, a sua misoginia é coerente: repetidas vezes ele elege mulheres como alvo de suas estúpidas agressões verbais contra a imprensa.
Duas coisas perturbam Bolsonaro. Primeiro, o aumento na percepção da população sobre sua responsabilidade direta sobre os mais de 500 mil mortos e os 14,8 milhões de desempregados na pandemia. A avenida Paulista, termômetro do descontentamento desde 2013, teve mais gente no protesto deste sábado (19) do que no de 29 de maio.
Além do mais, a CPI da Covid começou a fase de rastrear o dinheiro das negociações para compra de vacinas e de remédios ineficazes para a doença, como cloroquina. Há suspeitas de que aliados do presidente tenham se beneficiado. Ou seja, corrupção que produz cadáveres.
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Não é a primeira vez que o presidente da República age de forma destemperada com profissionais de imprensa. Mas há um padrão de comportamento agressivo em público: os casos mais gritantes envolvem mulheres como alvos.
No dia 1º de junho, por exemplo, ele chamou apresentadora da CNN Brasil Daniela Lima de "quadrúpede" ao falar com seus apoiadores na porta do Palácio do Alvorada.
Ele comentava uma postagem nas redes bolsonaristas que distorceu uma fala da jornalista sobre a geração de postos de trabalho formais, dando falsamente a entender que ela criticava uma boa notícia.
Um dos casos mais bizarros ocorreu em fevereiro de 2020 envolvendo Patrícia Campos Mello, repórter do jornal Folha de S.Paulo. Falando novamente a apoiadores, Bolsonaro repetiu uma mentira que já havia sido feita por um depoente na CPMI das Fake News e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro: de que a jornalista pode ter "se insinuado sexualmente em troca de informações para tentar prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro".
"Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim", afirmou o presidente para delírio de seu rebanho. Exércitos de contas falsas e perfis reais passaram a atacá-la dia e noite em uma das piores campanhas de linchamento de seu governo.
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Os casos são vários. Um helicóptero da Força Aérea Brasileira foi usado para transportar parentes e amigos do presidente da República para o casamento de seu filho em maio de 2019. Diante de uma pergunta da repórter Talita Fernandes, da Folha, sobre o caso, Bolsonaro chilicou.
"Com licença, estou numa solenidade militar, tem familiares meus aqui, eu prefiro vê-los do que responder uma pergunta idiota para você. Tá respondido? Próxima pergunta."
No dia 10 de março daquele ano, Bolsonaro usou sua conta no Twitter para compartilhar informação falsa sobre a repórter Contança Rezende, então no jornal O Estado de S.Paulo.
A perseguição é sempre mais violenta quando o alvo são jornalistas mulheres, quando o ataque, não raro, ganha conotação sexual.
Um site bolsonarista havia trazido uma postagem de um blog francês que atribuiu falsamente à ela uma declaração contra o senador Flávio Bolsonaro. Quando o conteúdo distorcido já circulava, via redes sociais, Bolsonaro bombou a informação, promovendo um linchamento virtual presidencial da jornalista a seus milhões de seguidores.
No dia 16 de maio de 2019, ele atacou a repórter Marina Dias, da Folha de S.Paulo, que lhe perguntou sobre os cortes no orçamento da educação. Visivelmente irritado por conta de manifestações de estudantes e professores, vociferou:
"Primeiro, você, da Folha de S.Paulo, tem que entrar de novo numa faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. É isso que a Folha tem que fazer e não contratar qualquer uma ou qualquer um para ser jornalista, para ficar semeando a discórdia e perguntando besteira por aí e publicando coisas nojentas".
Dois meses depois, durante um café da manhã com correspondentes estrangeiros, Bolsonaro foi questionado sobre o fato de a jornalista Miriam Leitão e de seu marido, o sociólogo Sérgio Abranches, terem sido desconvidados de uma feira do livro em Jaraguá do Sul (SC) após pressão de grupos de extrema direita.
Passou a ataca-la, chegando ao ponto de dizer que a tortura que ela sofreu durante a ditadura militar, fato fartamente documentado, era mentira.Tanto Miriam Leitão quanto a jornalista Vera Magalhães são alvos sistemáticos do bolsonarismo.
A perseguição é sempre mais violenta quando o alvo são jornalistas mulheres, quando o ataque, não raro, ganha conotação sexual. Vale lembrar que, quando deputado federal, Bolsonaro se notabilizou por declarações misóginas contra colegas de parlamento. Disse, por exemplo, que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada.
Essas declarações servem como ordem unida aos seus seguidores mais fiéis.
Para não acreditarem na realidade que se coloca diante de seus olhos, como as imagens de massivas manifestações que apareceram na Globo e na CNN Brasil.
Para darem continuidade aos ataques através de ameaças e agressões on-line, invadindo a vida privada das profissionais, distorcendo fatos, expondo dados pessoais, ameaçando filhos e pais.
Para se manterem fiéis às mentiras do bolsonarismo - que prega que vacinas não são tão eficazes contra o coronavírus do que contrair a doença, que a cloroquina é mais importante que a CoronaVac, que isolamento social não funciona e apenas atrapalha a economia, que a máscara é um fetiche da imprensa contra a liberdade individual de cada um.
Considerando que as reportagens e investigações mais contundentes são produzidas há tempos por mulheres jornalistas, colocando em risco a realidade paralela que o presidente tenta vender a seus 14% de seguidores mais fiéis, o ódio de Jair, para além de ser expressão clara de sua misoginia, é também sintoma de medo.
E quando acuado, Jair ladra.