Em depoimentos à CPI da Covid no Senado, nesta sexta-feira (11), os cientistas Natalia Pasternak e Claudio Maierovitch citaram viagem de uma comitiva do governo de Jair Bolsonaro a Israel, em março passado. A comitiva viajou oficialmente para tomar conhecimento de pesquisas acerca de um spray nasal para tratamento da covid-19, em mais uma das investidas do Palácio do Planalto contrárias às melhores formas de enfrentamento da pandemia.
De acordo com Pasternak, PHD em microbiologia, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e fundadora do Instituto Questão de Ciência (IQC), o investimento despendido pelo governo brasileiro surpreendeu inclusive os pesquisadores israelenses. “O remédio estava em uma fase tão inicial que não tinha porque atrair o interesse de um governo”, afirmou.
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A viagem ocorreu em março deste ano, quando o spray EXO-CD24 ainda não tinha nem resultados da fase 1 publicados. Desenvolvido pelo Centro Médico Ichilov, o medicamento, sem nenhuma eficácia comprovada, chegou a ser chamado de “milagroso” pelo então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que chefiou a comitiva. A visita mobilizou pelo menos 10 representantes do governo federal, uma aeronave da FAB e R$ 500 mil dos cofres públicos.
Sem justificativa
Por sua vez, Maierovitch – médico sanitarista, especialista em políticas públicas e gestão governamental e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – também afirmou à CPI da Covid que não havia justificativa para uma mobilização presencial desse tamanho e custo, apesar do desejo da ciência de encontrar novas formas de tratamento para a infecção:
“Uma coisa é troca de informações. Estamos trocando informações o tempo todo e aprendemos a fazê-la de forma eficaz, Pouca coisa precisa ser de forma física. Quando vi essa notícia (da viagem), fiquei me perguntando o que eles poderiam fazer lá. (…) Exercitei minha imaginação e não consegui pensar em nada que justificasse a presença física de alguém lá. Mesmo que fosse um grande especialista no desenvolvimento de medicamentos, ele teria pouca coisa a observar que não fossem documentos. De fato, achei inusitada a visita.”
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Desinformação mata
Segundo os pesquisadores à comissão, o investimento federal no spray israelense como solução “milagrosa” é apenas o resumo das falhas cometidas pelo governo Bolsonaro. O presidente sempre apostou em medicamentos comprovadamente sem eficácia, como cloroquina e ivermectina, e foi contrário às principais recomendações da ciência de consenso internacional, como distanciamento social e o uso de máscaras.
Questionada pelo relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) se a postura de Bolsonaro em defesa do chamado “tratamento precoce” contribuiu para desacreditar a vacina e as medidas de restrição social e aumentar o número de vítimas da doença do novo coronavírus, Natalia Pasternak respondeu positivamente à pergunta. “Eles morreram de desinformação”, afirmou. “Entre as mais de 482 mil vidas perdidas, parte são de vítimas que não adotaram as recomendações e acreditaram em uma cura falsa e milagrosa.”
“A crença de que existe uma cura simples, barata, que seria o sonho de todos nós leva as pessoas a um comportamento de risco”, explicou. A postura de Bolsonaro, continuou, “confunde as pessoas em relação à gravidade da doença que estamos enfrentando e da necessidade de medidas restritivas”. “Negacionismo mata”, sintetizou.
Ainda, de acordo com Natalia Pasternak, desde junho de 2020 há informações nacionais e internacionais suficientes “para não indicar a cloroquina como tratamento médico (em pacientes com covid)”. Países, como os Estados Unidos, abandonaram já à época o uso do chamado coquetel de “tratamento precoce”.
Humberto Costa (PT-PE), líder do partido no Senado e membro da CPI da Covid, frisou à comissão que “tem gente ganhando muito dinheiro com o chamado ‘kit covid’. Aumento de mais de 50% nas vendas”.
O Brasil, apontou a pesquisadora, deveria investir “urgentemente” na vacinação. Assim como em campanhas de informação sobre a necessidade do isolamento e do uso de máscaras. Além de auxiliar financeiramente e distribuir itens de proteção pessoal às populações vulneráveis e aqueles que não têm condições de trabalhar de casa. Aos senadores, ela destacou que vem ocorrendo exatamente o oposto na gestão de Bolsonaro.
Mortes evitáveis e Pazuello
“Isso tudo nunca foi centralizado pelo governo federal e o Ministério da Saúde, pelo contrário. Estados e municípios foram deixados à própria sorte. Pode parecer ‘democrático’, mas na verdade é falta de autoridade central e vontade política”. Nesse cenário de defesa de medicamentos ineficazes, atrasos na compra da vacina, e descaso com as medidas de restrição, o ex-presidente da Anvisa calcula que, pelo menos metade do número oficial de mortos, cerca de 240 mil vidas perdidas, eram mortes evitáveis. “Nosso número de óbitos teria sido muito menor se tivéssemos adotados todas as medidas”, afirmou.
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O dado é baseado em levantamentos de epidemiologistas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O grupo de pesquisa ainda calcula que 80 a 90 mil óbitos também poderiam ter sido poupados se o Brasil tivesse assumido os contratos de distribuição de vacina com o Instituto Butantan e o laboratório Pfizer ainda no ano passado.
Cláudio Maierovitch também contestou a escolha do general Eduardo Pazuello para o cargo de ministro da Saúde. O sanitarista disse haver um desmonte do Programa de Imunizações Nacional (PNI), uma referência há décadas para todo o mundo. “Tenho 35 anos na saúde pública e não me atreveria a fazer gestão de suprimentos em momento de guerra. Acho que as pessoas que têm experiência de trabalhar em momento de epidemia, de crise sanitária, é que deveriam ser as encarregadas de tomar decisões”.