Ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão Pazuello, o coronel Antônio Elcio Franco Filho disse à CPI da Covid nesta quarta-feira (9) que não houve atraso na aquisição de vacinas.
Contudo, depoimentos anteriores, bem como documentos colhidos pela Comissão colocaram suas explicações em xeque. Ele também caiu em diversas contradições a respeito do uso da hidroxicloroquina, que compunha o chamado tratamento precoce.
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Além disso, também disse não conhecer o chamado “gabinete paralelo“. No entanto, um dos integrantes desse grupo foi recebido por ele no dia seguinte à reunião revelada com o presidente Jair Bolsonaro.
Em relação às negociações com a Pfizer, atribuiu a demora a “cláusulas leoninas” e à necessidade de “adequações” na legislação. Disse que a consultoria jurídica do Ministério era contra a assinatura do memorando de entendimento, mas foi desmentido pelo senador Renan Calheiros. “Os pareceres eram todos favoráveis”, rebateu o relator da CPI da Covid.
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Sobre as 53 ofertas do laboratório norte-americano que não foram respondidas, Elcio voltou a se referir a uma pane em sua caixa de e-mail. Além disso, disse que uma mesma mensagem era reiterada pela farmacêutica várias vezes ao dia.
Sobre a Coronavac, ele também negou que as negociações tivessem sido interrompidas após determinação do presidente Bolsonaro. “Não houve em momento nenhum o cancelamento das tratativas”, disse, dando a mesma versão apresentada pelo ex-ministro Eduardo Pazuello.
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Nesse momento, ele foi novamente contraditado por Renan, que destacou depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, alegando que as conversas “não prosseguiram” por decisão de Bolsonaro. “Quem mentiu, o doutor Dimas Covas ou ex-ministro Pazuello?”, pressionou Renan. “Acredito que foi uma questão de percepção de Dimas Covas”, respondeu.
"Cemitério de vacinas"
Franco tentou justificar a demora no acordo com o Instituto Butantan para comprar a CoronaVac. Alegou haver “incerteza de sua eficácia” e chamou a terceira fase de testes clínicos de “cemitério de vacinas”. A afirmação foi criticada pelo senador Humberto Costa (PT-PE), ao afirmar que foi uma ação ordenada por Jair Bolsonaro e resultou em milhares de mortes.
“A sua fala sobre não comprar a vacina chinesa, qualquer criança faz a leitura que recusou a compra. O ministro Eduardo Pazuello fez a mesma coisa: vir aqui e proteger o presidente da República. Vocês só se preocuparam em cumprir as ordens dele. Você diz que se preocupou com o cemitério de vacina, mas deveria ter se preocupado com os mortos em cemitérios”, afirmou o senador petista.
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Responsabilidade
O senador Humberto Costa citou lei orgânica da saúde que determina que, quando se esgota a capacidade de resposta de um ente, os superiores têm obrigação de responder. “O papel do Ministério da Saúde é planejar, organizar e controlar as medidas durante emergências em saúde pública. O Tribunal de Contas da União (TCU) fez um relatório e diz que o Ministério da Saúde não cumpriu esse papel”, alertou.
O parlamentar lembrou ainda que, em maio de 2020, estados e municípios mandaram sete ofícios pedindo que a pasta da Saúde enviasse aos estados kits intubação. “O ministério demorou um mês para aceitar ajudar e providenciou apenas 5% da demanda solicitada. Em novembro, parou de ser enviado. O Ministério da Saúde e o governo federal não podem se emitir da responsabilidade em Manaus e da falta de vacinas para a população.”
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Mentira sobre cloroquina
Elcio Franco voltou a mentir durante a CPI da Covid. Assim como no começo de sua oitiva, o ex-secretário-executivo disse que não ocorreu aquisição de cloroquina para covid-19, mas para o programa antimalária. Entretanto, reportagem da Folha de S.Paulo informou que o Ministério da Saúde desviou, para covid-19, dois terços de 3 milhões de comprimidos de cloroquina fabricados pela Fiocruz. Na ocasião, o desvio de finalidade do medicamento deixou descoberto o programa nacional de controle da malária, com risco de desabastecimento para pacientes da doença.
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A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) perguntou novamente sobre a importação dos medicamentos. Segundo Elcio Franco, a “intenção dos medicamentos foi para o atendimento antimalária”, mas quantidade foi maior para “incluir a prescrição offlabel de médicos aos pacientes de covid-19”.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou que Bolsonaro recebeu os medicamentos direto dos Estados Unidos, conforme foi anunciado após encontro com ex-presidente Donald Trump. “Ele disse que era para tratar covid-19. Não podemos aceitar essa declaração mentirosa”, afirmou.
‘Tratamento precoce’
Elcio também afirmou ao relator que a chamada tese da “imunidade de rebanho” nunca foi discutida pelos técnicos do ministério. Disse apoiar o “atendimento precoce” para os pacientes da covid-19, respeitando a “autonomia” do médico para prescrever a utilização de qualquer medicamento, evitando se comprometer em relação ao uso da hidroxicloroquina.
Novamente, ele foi confrontado por Renan, que divulgou vídeo de uma coletiva comandada pelo ex-secretário na qual ele fez defesa enfática do suposto tratamento precoce.
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“Temos evidência científica sobre a efetividade de determinados medicamentos. E aqueles que dizem que não há evidência são os verdadeiros negacionistas”, disse ele. Na ocasião, também alegou que não havia “qualquer eficácia” sobre a utilização de medidas de isolamento social no combate à pandemia.
Gabinete paralelo
Para Renan, as declarações demonstram que o ministério da Saúde estava “em sintonia” com as determinações do chamado “gabinete paralelo” ou “gabinete das sombras”. Elcio disse desconhecer a existência do grupo. No entanto, a agenda do ministério registrou encontro do ex-secretário com o oftalmologista Antônio Jordão, presidente da Associação Médicos Pela Vida, entidade que defende o dito tratamento precoce. “Não me lembro, não sei de quem se trata. Posso ter recebido, mas não me lembro”, tergiversou.
O ex-secretário confirmou ainda que se encontrou “uma ou duas vezes” com a médica Nise Yamaguchi, que também faria parte do dito gabinete. Com Arthur Weintraub, suspeito de articular as relações do grupo com a presidência, Elcio disse que se encontrou apenas uma vez, numa cerimônia oficial. Já sobre a ida do deputado Osmar Terra ao ministério, ele alegou que se tratavam de discussões sobre a liberação de emendas do parlamentar.