Com o avanço de políticas agrárias e ambientais que favorecem a expansão das fronteiras do agronegócio, um setor da sociedade tem sido especialmente afetado: a população que vive nas zonas rurais
Além do aumento do desmatamento, dos conflitos por terra, e da contaminação das nascentes, do solo e das pessoas pelo uso intensivo de agrotóxicos, o povo do campo é o que também mais tem sofrido com a fome durante a pandemia.
No esforço de defender a vida das pessoas do campo, estrou em votação no Congresso Nacional na noite desta terça-feira (8), o PL 823, de 2021, que retoma a proposta de medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares durante a pandemia.
Movimentos sociais têm inclusive se mobilizado para defender a pauta e conscientizar a população sobre a importância da aprovação do projeto de lei.
"A agricultura camponesa é responsável por 70% dos alimentos que vão à mesa do povo braileiro. Então, nesse sentido, ter aprovado a PL 823 é possibilitar que os camponeses possam permanecer no campo produzindo alimentos saudáveis, mas também possibilitando que esse alimento chegue à mesa do povo brasileiro", ressalta Noeli Welter Taborda, da direção nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Mas as ameaças continuam. O Projeto de Lei 3292/2020, aprovado pela Câmara em maio, está em análise no Senado. O PL muda as regras do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), e retira a prioridade de compra de gêneros alimentícios para merenda escolar de assentados da reforma agrária, quilombolas, indígenas e ribeirinhos.
Alimentação
Segundo estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), 60% da população da zona rural não se alimentou adequadamente no ano passado.
A situação alarmante vem associada à negação de políticas públicas específicas para o setor. No ano passado, o presidente Bolsonaro (sem partido) vetou o Projeto de Lei 735/2020, chamado de PL Carvalho de Assis, que previa auxílio emergencial e linhas de créditos para a agricultura familiar
“Ter aprovado o PL 735 era fundamental no sentido de possibilitar, e aumentar a produção de alimentos saudáveis e diversificados", ressalta Taborda.
"Nesse contexto de pandemia, muitos relatos das camponesas têm tido sobre a dificuldade de poder comercializar seus produtos por conta da pandemia, nas feiras, é uma dificuldade muito grande para geração de renda”, explica.
Violência, fome e pandemia
O movimento de camponesas lançou um manifesto, na última semana, para denunciar o avanço das políticas do governo Bolsonaro, que segundo elas, pratica genocídio em três dimensões: estimulando a violência no campo, espalhando a fome e com descaso à pandemia.
“A política adotada por esse governo é uma política de morte, de destruição, que não prevê as mínimas condições para que o povo trabalhador tenha vida digna”, afirma.
A liderança do movimento também destaca o efeito devastador do modelo do agronegócio no país.
“O governo Bolsonaro investe milhões no agronegócio para produção de commodities, de monocultivo, que não são para o povo brasileiro se alimentar, mas sim são produtos para a exportação. [Essa escolha] aumenta o PIB, mas ao mesmo tempo aumenta a fome”, diz Tobardo.
“A gente percebe que muitas famílias estão em insegurança alimentar, por conta desse modelo do agronegócio, baseado nos agrotóxicos, agroquímicos e que não possibilita a produção diversificada de alimentos”, declara.
Além da negação do apoio emergencial específico, parte das conquistas transformadas em programas e políticas públicas nos últimos governos , também foi alvo de ataque. É o caso do esvaziamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), dos cortes no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e da extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
“Há um claro desejo desse governo em não apoiar o pequeno agricultor na agricultura familiar, tampouco a agroecologia com perspectiva camponesa. Esse governo tem interesse tão somente em expandir o capital, fortalecer os interesses das corporações. E tem ministros e ministras que servem esses interesses. No Ministério da Agricultura e Pecuária, no Ministério do Meio Ambiente e também no Ministério da Cidadania”, afirma André Luzzi, ativista alimentar e integrante do Fórum Paulista em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional,
Segundo ele, a prática instituída pelo governo é inversa a que deveria ser aplicada durante a pandemia, um momento que traz o risco de abastecimento e da fome.
“Nós apoiamos muito os circuitos curtos de alimentação, agricultura e nutrição, sistemas alimentares de nível local, que favoreçam a proximidade do produtor e do consumidor. Essa política de agricultura de abastecimento atual, tem feito justamente o contrário, favorecendo os ricos, debilitando as políticas de abastecimento popular e deixando os preços dos alimentos muito altos.”, conclui.
Edição: Leandro Melito e Isa Chedid