Na última segunda-feira (31), a Justiça Federal autorizou a desapropriação da Usina Cambahyba, localizada em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. A decisão destina a área ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para assentar famílias camponesas.
O local é alvo de disputa há cerca de 21 anos, a partir de ocupações organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A última delas, batizada de acampamento Luís Maranhão, foi estruturada em 2012 e permaneceu ativa até meados de 2019.
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O território da Usina Cambahyba é formado por sete fazendas que somam cerca de 3.500 hectares. Em 1998, a área foi decretada pelo Governo Federal para fins de reforma agrária. Anos mais tarde, em 2012, o local foi considerado improdutivo pela Justiça. Na época, a área pertencia a Heli Ribeiro Gomes, político fluminense eleito deputado federal em 1958. Hoje o registro do local está em nome da empresa AVM Construções.
Segundo nota do MST, divulgada após a decisão, a “história da Usina Cambahyba expressa a formação da grande propriedade no Brasil”.
“É uma história de violência, mas de resistência dos trabalhadores e trabalhadoras. Por isso, nós, trabalhadores e trabalhadoras do MST/RJ, não abandonamos nunca a luta pela Cambahyba, porque é nossa história, é nossa resistência, é a nossa capacidade de irresignação diante da injustiça do latifúndio, é pela memória dos lutadores e lutadoras, como Cícero, Neli, Seu Antonio que nos legaram sementes que reafirmamos: a Cambahyba é nossa”, diz trecho do texto.
A decisão que determinou a desapropriação do território foi assinada pela juíza substituta Katherine Ramos Cordeiro, da 1ª Vara Federal de Campos. Nela, a magistrada estabeleceu um prazo de 10 dias para a imissão provisória da posse ao Incra. Cabe recurso da decisão.
História
A Usina Cambahyba tem trajetória entrelaçada com a história recente do país. Estruturada como uma usina de produção de açúcar, o local foi utilizado na ditadura militar para incinerar corpos de presos políticos e opositores do regime.
Em 2014, o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Cláudio Guerra, detalhou em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) ter incinerado 12 corpos nos fornos da usina, dentre eles, Fernando Santa Cruz e Luís Maranhão, desaparecidos em 1974. A versão já havia sido contada no livro “Memórias de uma guerra suja” escrito por Guerra e lançado em 2011.
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Para o advogado, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e ex-presidente da Comissão Estadual da Verdade (CEV), Wadih Damous, a decisão pela desapropriação do local é muito importante, ainda que seja tardia.
“É uma decisão judicial que reconhece o que aconteceu nos chamados ‘anos de chumbo’. Reconhece que houve brasileiros e militantes mortos e que tiveram seus corpos desaparecidos. Os fornos onde corpos foram queimados foram destruídos pelos proprietários do local, o que mostra como o Brasil é um país de apagamento de rastros. Se hoje a humanidade tem amplo conhecimento do que foi o Holocausto isso se deve à preservação dos campos de concentração. O Brasil não conseguiu fazer isso. Essa decisão é meritória, ainda é tardia”, avalia.
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Em reação ao depoimento de Guerra, em 2012, o MST ocupou o local pela segunda vez - uma primeira ocupação já havia sido feita em 2000 com ex-empregados da Usina, que não receberam seus direitos trabalhistas com o encerramento das atividades no local.
Um ano depois, em 2013, Cícero Guedes, militante do MST, foi assassinado na estrada próxima à ocupação. Cícero, que já tinha sido assentado em 2002 no assentamento Zumbi dos Palmares, também localizado em Campos dos Goytacazes, continuava sua militância na luta pela reforma agrária e contribuiu ativamente na ocupação da usina.
“Nas terras da Cambahyba muitos tombaram na luta pela terra. Dentre eles, Cícero Guedes, grande liderança, que nunca desistiu de lutar pela Cambahyba, pela reforma agrária e por uma sociedade justa. Em nenhum momento tínhamos dúvidas de que se tratava de um latifúndio improdutivo marcado pela exploração do trabalho, impactos ambientais e comprometimento com a ditadura empresarial-militar que manchou nossa história”, complementa a nota do movimento.
Edição: Jaqueline Deister