O Comitê Nacional de Paralisação da Colômbia convocou uma nova mobilização nacional nesta quarta-feira (2) para condenar o decreto de intervenção militar em oito estados do país e exigir o cumprimento dos pré-acordos estabelecidos com o governo. Já são 37 dias consecutivos de protestos e bloqueios de rua em várias regiões do país. Grevistas exigem garantias de direito à manifestação pacífica.
Depois de provocarem o recuo nas reformas propostas por Duque e derrubarem dois ministros, os colombianos permaneceram em mobilização nacional exigindo o fim da militarização das cidades e do Esquadrão Móvil Antidistúrbios (Esmad). Criado em 1999, de maneira temporária, o grupo permanece até hoje como uma espécie de tropa de elite especializada em reprimir protestos.
Na última sexta-feira (28), quando a greve geral completou um mês, o Comitê Nacional anunciou que havia chegado a um conjunto de garantias de livre manifestação com a administração de Iván Duque, que incluía o fim da violência contra as manifestações pacíficas. No entanto, de última hora, o chefe de Estado não assinou o documento e decretou estado de comoção interior em oito departamentos e 13 municípios do país, anulando a autoridade dos governadores e prefeitos e estabelecendo a tutela das forças militares.
"Essa medida obedece fundamentalmente a uma renovação da pressão do ex-presidente Uribe sobre o governo de Iván Duque. E toma nesse novo ar, amparado na sua posição dentro das Forças Armadas, que é muito forte. É evidente que as Forças Armadas obedecem a Uribe", analisa Fábio Arias, dirigente da Central Única de Trabalhadores da Colômbia (CUT) e membro do Comitê Nacional de Paralisação.
Já foram realizadas ao menos oito reuniões entre representantes do comitê nacional de paralisação, composto por 29 organizações, e cerca de 50 representantes do governo colombiano. O grupo dos grevistas é heterogêneo, e parte chegou a defender o fim dos bloqueios de ruas para frear a escalada de violência. No entanto, antes mesmo de tomar uma decisão, Duque não cumpriu o que havia sido acordado.
"Não existe vontade política para deste poder estabelecido, representado pelo atual governo, para oferecer garantias aos manifestantes", afirma o presidente da Coordenadora Nacional Agrária (CNA), Ernesto Roa.
Segundo o último levantamento do Instituto de Desenvolvimento da Paz (Indepaz), a repressão aos protestos deixou 65 mortos, 47 vítimas de lesão ocular e 358 pessoas desaparecidas.
A missão internacional de solidariedade e direitos humanos também reuniu uma série de relatos que evidenciam práticas de violência sistemática contra os manifestantes.
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"Foi um mês de massacres. Dispararam contra as pessoas, feriram as pessoas. Há uma quantidade de desaparecidos que o Estado não quer investigar. Houve torturas, passaram por cima do poder civil em muitos estados e capitais. Há um atentado geral contra o Estado de direito que é importante que a comunidade internacional conheça", afirma Jorge Virviescas, do coletivo LGBTs pela Paz e do Comitê Nacional de Paralisação.
"O armamento que eles possuem dá abertura para que cometam excessos. Então, é muito comum que nas intervenções do Esmad as pessoas terminem sem um olho, feridas. Ou ainda, quando são capturadas, vários agentes se unem para agredi-las", relata Julián López, defensor de direitos humanos e manifestante.
Em 2020, durante a pandemia do novo coronavírus, o governo de Iván Duque gastou cerca de US$ 3 milhões (aproximadamente R$ 15,5 milhões) com a compra de armamentos e munições para o Esmad.
Origens do protesto
A paralisação do dia 28 de abril, que deu início à greve geral, foi convocada pelo Comitê Nacional, mas é consenso que as mobilizações transcenderam essa instância.
"A greve superou as expectativas de todos. Nós já havíamos realizado uma grande paralisação no dia 21 de novembro de 2019 e pensávamos que poderíamos organizar um movimento da mesma magnitude. Mas, evidentemente, foi pelos menos seis vezes superior. E é certo que a juventude é a força de maior destaque, com muita determinação e atitude", analisa o dirigente sindical Fabio Arias.
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Para o presidente da CNA, a revolta social é o resultado de anos de repressão e de reivindicações históricas não atendidas. "O que a Colômbia vive hoje é um marco para a história recente do nosso país", diz Roa.
O evento, que já é considerado a maior paralisação da história da Colômbia, é marcado pelo protagonismo de uma juventude que não se vê representada pelos partidos, sindicatos e outras estruturas organizativas existentes no país.
Além do desejo de mudança, das exigências de garantias do direito à saúde, educação e paz, os jovens expressam sua revolta pelas vítimas provocadas pela brutalidade policial - uma das facetas da violência estrutural do país.
"Não aguentamos mais e já não temos medo. Estamos jogando tudo ou nada. Já sabemos que vão nos matar de uma ou outra maneira. Por isso, já perdemos o medo. Muitos estão dispostos a morrer e outros tantos já morreram", afirma Julián López.
A rebeldia das ruas não se reflete necessariamente nas propostas do Comitê Nacional, que busca conciliação para impedir o avanço da violência.
"Temos que resolver esse conflito. Não podemos permanecer eternamente assim, mas também não vamos nos retirar sem que haja uma negociação. Se as pessoas se levantaram é porque historicamente não foram atendidas", defende Jorge Virviescas, quem também é representante da organização Marcha Patriótica.
Com 42,5% da população em situação de pobreza, 3,6 milhões em pobreza extrema e 14% de desempregados, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estadística (Dane), os colombianos dizem ter razões de sobra para protestar.
"É necessário desmontar definitivamente o paramilitarismo, que é uma política do Estado para exercer controle territorial e garantir o desenvolvimento de grandes projetos mineiro-energéticos e agroindustriais, que estão longe de resolver os problemas reais", conclui Ernesto Roa.
Edição: Daniel Giovanaz