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Tensões e intenções sobre o voto impresso no Brasil

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Em pelo menos 46 países o voto eletrônico é utilizado, muitos desses sem nenhum tipo de impressão. - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Bolsonaro já lançou ameaças de que sem voto impresso não vai ter eleição em 2022.

Bolsonaro tem insistido sobre a necessidade da impressão do voto no Brasil alegando que o atual modelo de votação em urnas eletrônicas é fraudulento. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), é o principal cavalo de batalha sobre o tema que os apoiadores do governo têm se dedicado a defender. Essa movimentação institucional entra em rota de colisão com decisão já firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que vetou essa possibilidade em 2018.

Nos últimos dias, para surpresa de muitos, o presidente do Partido Democrático Brasileiro (PDT), Carlos Lupi, também entrou na defesa dessa bandeira após divulgar um vídeo nas redes sociais apresentando praticamente os mesmos argumentos do presidente, justificando-se que essa é uma pauta antiga do seu partido, desde os tempos de Leonel Brizola.

Por que tanta sanha pela impressão do voto, tanto por bolsonaristas quanto por trabalhistas? A defesa da impressão do voto é sustentada a partir de dois argumentos principais. O primeiro de que  pouquíssimos países adotam a urna eletrônica, sendo o Brasil uma nação exótica nesse quesito. O segundo de que com o atual modelo de votação no país não é possível haver revisão e auditoria dos processos eleitorais.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tais afirmações não se sustentam. Em pelo menos 46 países o voto eletrônico é utilizado, muitos desses sem nenhum tipo de impressão, além disso, a urna eletrônica possui uma série de recursos e procedimentos que permitem a realização de auditorias pelos partidos e coligações, segundo a resolução nº 23.603/2019, do TSE. O que também causa estranheza são as faltas de provas e dados concretos que atestem as fragilidades de segurança do atual sistema.

Essa retórica política está vinculada diretamente à articulações e narrativas que têm sido construídas para a disputa presidencial do próximo ano. Inclusive, Bolsonaro já lançou ameaças de que sem voto impresso não vai ter eleição em 2022. Mesma estratégia utilizada por Trump nos Estados Unidos, que após sua derrota criou uma série de factóides e incendiou seus apoiadores a se rebelarem contra o resultado que deu vitória aos democratas, mesmo após as recontagens de votos em vários estados.

Mesmo que a PEC de Bia Kicis indique que a impressão será depositada em urnas indevassáveis, muitos apoiadores defendem explicitamente, outros nos bastidores, que o eleitor tenha o direito de ter uma cópia da confirmação do voto, proposta que, com certeza, aparecerá em forma de emendas caso entre em tramitação e vá para os plenários da câmara e do senado.

O debate e proposta do voto impresso na atual conjuntura brasileira tem dois objetivos primordiais: Deslegitimar ainda mais o sistema eleitoral e, consequente, aprofundar o ascetismo político e os ataques à democracia e, não menos grave, criar mecanismos de maior controle sobre o voto de pessoas e grupos submetidos à lideranças políticas, religiosas e criminosas alinhadas ao bolsonarismo. Uma reedição do voto de cabresto que durante décadas manipulou o direito ao voto livre, cada vez mais ameaçado pelos discursos e projetos autoritários da extrema direita brasileira hoje.

Edição: Francisco Barbosa