A indústria farmacêutica trabalha pelo doente crônico, não pela cura
Vigora um consenso nos porões da indústria farmacêutica: remédio bom não é o que cura, mas o que te obriga a tomá-lo pelo resto da vida. Não fique com raiva. Não é nada pessoal. São apenas negócios.
Em uma entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, o Prêmio Nobel de Medicina, Richard J. Roberts, explicou como funciona o esquema: a indústria farmacêutica trabalha pelo doente crônico, não pela cura. “A pesquisa é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam crônica a doença”, explica.
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Cabe lembrar, portando, que a medicalização da vida faz parte dos jogos do biopoder que nos condiciona, do nascimento à morte, às regrinhas do deus-mercado: a vida para o consumo.
Não são poucas as histórias de fórmulas medicamentosas que são escondidas pela indústria, a favor de outras fórmulas, mais eficientes do ponto de vista dos negócios. Abordei o tema em outra coluna, envolvendo a queridinha das vacinas, a Pfizer. Segundo apurou The Washington Post, a Pfizer escondeu informações sobre um remédio que poderia reduzir em 64% o risco de uma pessoa contrair Alzheimer. Como não daria lucro, não foi divulgado.
A cura não é o melhor negócio. A indústria não pensa em você, mas nos acionistas e nos bônus milionários gerados por bons resultados.
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Quebra de patentes
A indústria vai faturar, neste ano, perto de 1 trilhão de reais com a venda de vacinas contra a covid-19. Os negócios estão concentrados em países que podem pagar pelo imunizante. Há muita desigualdade global em relação à vacinação e as farmacêuticas se veem diante da pressão pela quebra de patentes das vacinas.
Mais de 60 países foram à Organização Mundial de Comércio pedir a suspensão temporária de patentes e outras ferramentas médicas contra a covid-19, ao menos até a pandemia estar sob controle. O grupo de países não inclui o Brasil, que adotou uma arcaica posição a favor da manutenção das patentes.
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A União Europeia deve apresentar, neste mês de junho, uma proposta intermediária e que de algum modo facilite a produção dos imunizantes. Alguns especialistas dizem que a quebra de patentes pode não funcionar, devido a problemas de parque tecnológico nos países. As próximas semanas serão decisivas.
A geração de dividendos, obviamente, é fundamental para a manutenção da pesquisa e da indústria. A questão é que estamos lidando com um setor que manipula informações e que se importa mais com o lucro do que com a cura.
A indústria nos quer dóceis e submissos. Bem-vindo(a) ao deserto do real.
*Marques Casara é jornalista especializado em investigação de cadeias produtivas. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Leia outras colunas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo