“Não concordo com aqueles que acham que as ameaças de ruptura institucional de Bolsonaro não passam de bravatas, porque as bravatas são seguidas de atos concretos”, afirma Augusto de Arruda Botelho, advogado criminalista e fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
Exemplo disso, citado por ele em entrevista ao Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH), da Faculdade Cásper Líbero, é quando Bolsonaro defende armar a população e, simultaneamente, assina decreto facilitando a circulação de armas e munições.
Segundo Botelho, desde o início de seu governo, Bolsonaro coloca a democracia em risco com seus discursos. Em alta no momento, o voto impresso é o novo queridinho do presidente. Para Botelho, não passa de uma justificativa para realizar arroubos ditatoriais.
”É uma narrativa pseudo-justificável, dá um pano de fundo institucional fazer algum tipo de rompimento democrático sob alegação de que houve uma fraude na eleição”, analisa o criminalista. Ele acredita que, por meio do voto impresso, é possível levantar a bandeira da representatividade da democracia com roupagem de patriotismo, característica de Bolsonaro.
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Quando surgem temáticas como essa, a discussão caminha para a ala ideológica do governo, onde aparecem temas como o “kit gay”, necessárias para manter a base de apoio de Bolsonaro, diz Augusto de Arruda Botelho.
“Esse bolsonarista raiz precisa manter a pauta de costumes, ele se alimenta dessa pseudo-polêmica”, afirma. Para o advogado, chega a ser impossível haver oposição entre a ala mais técnica do governo e a ideológica.
Nesse cenário, Botelho diz que a imprensa e o judiciário estão vigilantes, ainda que não acredite em um golpe por parte do exército.
Para ele, com uma eventual derrota de Bolsonaro nas urnas em 2022, “teremos dias de violência em pequenos focos”, o que ele compara com a invasão ao Capitólio, em janeiro deste ano, por apoiadores de Donald Trump.
A diferença, segundo Botelho, é que Bolsonaro é uma cópia mal feita do ex-presidente americano.
CPI da Covid
Já passam de 100 os pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro. Augusto de Arruda Botelho atesta que vários deles possuem embasamento jurídico para serem aceitos, tanto por crimes de responsabilidade (ações incompatíveis com o cargo que ocupa), quanto por crimes comuns (principalmente praticados no contexto do combate à pandemia). Mas ressalta que um processo de impeachment precisa de dois elementos básicos: o jurídico e o político.
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No passado, o advogado não validava o elemento jurídico dos pedidos, mas mudou de opinião. Agora, segundo ele, só falta o elemento político, que poderia vir com a CPI da covid.
“Sou crítico de CPIs e essa tem se mostrado merecedora de críticas. Senadores, inclusive de oposição ao governo, estão usando como palanque político. Se essa for a forma de se tratar a CPI, enxergo pouca possibilidade de ela iniciar um processo de impeachment”, conclui.
Ainda no cenário da Comissão, as mentiras são recorrentes. Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, afirmou não ter sofrido ingerência de Bolsonaro em suas decisões, depois de ter sido claro em uma live ao lado do presidente que “um manda, o outro obedece”.
Apesar de parecerem absurdas, Botelho explica que as mentiras podem ocorrer, pois existe diferença entre o depoimento de uma pessoa como testemunha e como investigado.
“A testemunha tem que prestar o compromisso de dizer a verdade, e se mentir, pode prestar um crime de falso testemunho. O investigado pode silenciar, omitir, mentir, porque é um direito garantido a toda e qualquer pessoa investigada em todo e qualquer âmbito”.
Polêmicas do STF
Ultimamente, decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) têm sido debatidas e questionadas, principalmente as monocráticas — tomadas por apenas um ministro. Augusto de Arruda Botelho defende a limitação dessas decisões, mas entende sua necessidade em alguns casos, como de habeas corpus, em que a pessoa não pode esperar na cadeia por um crime que supostamente não cometeu.
Segundo o advogado, esse tipo de decisão no STF e no STJ (Superior Tribunal de Justiça) possui três problematizações principais. “Julgar causas sem urgência de maneira monocrática, corre perigo de perder um direito, fere o princípio do colegiado”, afirma. O colegiado é o segundo ponto afetado.
Esse princípio diz respeito à necessidade de um grupo discutir o recurso feito a uma decisão em primeira instância e avaliar a melhor postura a ser tomada, com base em argumentos.
O terceiro ponto é a busca por agilizar os processos. “A justiça é extremamente sobrecarregada e precisa fazer a pauta andar”. Muitas vezes, a decisão monocrática extingue o recurso, o que impede outros ministros de saberem da existência do recurso feito. “Essa forma de decidir fere o devido processo legal, é muito grave”.
Desde o início do governo Bolsonaro, ataques ao STF têm sido presentes entre seus apoiadores e pelo próprio presidente. Diante disso, Botelho enxerga a abertura de investigação contra o ministro Dias Toffoli, por realizar decisões pagas, como mais um ataque à instituição.
“A delação feita por Sérgio Cabral, que dá origem a essa investigação, já teve sua veracidade rechaçada pelo Ministério Público”. Nesse caso, a polêmica aumenta quando a PF é quem realiza o acordo de delação com Cabral, sem a participação do Ministério Público.
“Existe uma série de acusações de que não há prova em várias partes dessa delação. Mesmo assim, a PF resolve instaurar um inquérito para investigar um ministro da Suprema Corte. Muito mais grave do que qualquer teor da investigação”, analisa.
Violência policial
“Jacarezinho foi uma tragédia, mas não é novidade. Já vimos muitas ações policiais completamente ilegais, com uso excessivo de força, são verdadeiras chacinas”, diz Augusto de Arruda Botelho sobre a ação policial no começo de maio que deixou 28 mortos, dentre eles um policial.
Ao comentar a operação, o vice-presidente Hamilton Mourão chamou os mortos de “tudo bandido”. Para o advogado, “não importa se e é bandido ou não. A polícia não pode agir de maneira ilegal”.
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Botelho lamenta que, infelizmente, jargões punitivistas como esse estejam na boca das pessoas. Ele entende que essa visão é justificável, haja vista o alto índice de violência no País, mas evidencia que não é possível compreender, justificar e flexibilizar uma chacina.
Ele lembra, ainda que o STF havia proibido ações policiais durante a pandemia: “Se, supostamente, ela [ação policial] era necessária para poder ultrapassar a ação do Supremo, deveria ser bem executada, e o que a gente viu é justamente o contrário, são completas execuções”.
Para mudar esse cenário, ele vê como necessárias políticas públicas que entendam a raiz da criminalidade, alternativas que passem pela educação e um tratamento digno que foque na ressocialização de presos.
“A pessoa que me assaltou no farol, daqui a quatro anos vai voltar a conviver em sociedade. Eu quero que essa pessoa volte melhor ou pior? A gente está fazendo tudo para essa pessoa voltar pior”.
Para assistir à entrevista na íntegra: