A construção de uma barragem pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) poderá impedir que a água de lagoas próximas ao Rio Guandu entre no sistema de tratamento. Como consequência, a poluição dessas lagoas, antes diluída nas águas do Guandu, chegará à região costeira de Sepetiba, Guaratiba, Marambaia, Itaguaí e até no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste da capital fluminense.
Além de representar risco para os pescadores que atuam na região, a barragem também é uma ameaça às lagoas de Quiabal e Guandu, que compõem o chamado Pantanal Iguaçuano, área rica em peixes, aves, vida animal e vegetal, e que dá sustento a famílias de agricultores. A poluição, que não é tratada e agora poderá ficar concentrada nas lagoas, é resultado do esgoto sem tratamento que chega do Distrito Industrial de Queimados.
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No último domingo (23), pesquisadores, representantes da sociedade civil e ativistas ambientais realizaram, em encontro remoto, o "Ato em defesa das lagoas e dos pescadores do Guandu". A obra, cujo projeto é de dez anos atrás, foi criticada por não atualizar o dimensionamento da região, que viu aumentar a quantidade de esgoto sem tratamento nos últimos anos.
Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Adacto Ottoni criticou a própria Cedae, o governo estadual e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) por quererem levar adiante uma obra que desvia o foco do problema e culpabiliza a resposta da natureza à crescente poluição ambiental.
"As lagoas não são as vilãs, a geosmina não é a vilã, as cianobactérias não são as vilãs. O grande vilão dessa história é o esgoto bruto, sem tratamento, que é descarregado continuamente nas lagoas do Guandu. As algas são uma reação das lagoas à degradação ambiental, é um mecanismo de defesa da natureza. A obra da barragem não ataca a causa do problema, que é tratar o esgoto, ela apenas desvia o esgoto", apontou o engenheiro sanitarista da Uerj.
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Para o engenheiro sanitarista Alexandre Pessoa, que é professor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as autoridades deveriam focar na realização de prognósticos e diagnósticos. Ele afirmou, durante a live, que a crise hídrica e sanitária é nacional e é fruto de políticas neoliberais que estão degradando o meio ambiente. Pessoa relatou a situação de moradores e trabalhadores da região.
"Os pescadores foram os primeiros a serem atingidos na sua renda, na sua vida. Discute-se a barragem sem pensar na vida deles. Quando a gente fala em obra de saneamento, a gente pode pensar que ela vem no sentido de melhorar a condição de qualidade e quantidade da água. Mas se a obra não tiver os devidos embasamentos técnicos, ela pode trazer impacto ambiental expressivo para o Guandu", alertou o pesquisador da Fiocruz.
Rompimento
Pessoa afirmou que há uma chance considerável de o Rio de Janeiro passar da crise hídrica à escassez hídrica se as medidas continuarem sendo paliativas e provisórias e não enfocarem o problema da poluição ambiental. "Os prognósticos do Rio de Janeiro são muito preocupantes. Não estamos discutindo a extinção de uma espécie de peixe, mas de vários peixes, estamos falando do empobrecimento e da extinção dos pescadores também".
Durante o debate, o professor Adacto Ottoni, da Uerj, levantou a hipótese de risco de rompimento da barragem em função de a Cedae estar prestes a realizar a obra a partir de um estudo antigo. Ele disse que o assoreamento da região nos últimos anos e a consequente subida do nível de água não foram levados em conta no projeto da obra. Segundo ele, a inundação com a água represada pode resultar em tragédias.
"Essa obra previu as ondas de inundação que vão ser maiores agora? Isso oferece risco aos moradores porque também aumentar a área de inundação. E em período de chuvas intensas essa barragem tem que suportar o peso. A obra pode tombar não só pela vazão que vem dos rios, há ainda o fato de que a barragem não é só barragem, ela funciona também como um dique para o Rio Guandu"
Edição: Eduardo Miranda