O presidente Jair Bolsonaro prepara um decreto que cria obstáculos para o controle da disseminação de informações falsas, as fake news, e a suspensão de contas em redes sociais e sites. A iniciativa vem após Bolsonaro, seus filhos e influenciadores bolsonaristas terem tido várias publicações retiradas do ar por não serem verdadeiras.
A intenção do governo é vista por muitos especialistas como ilegal e, para eles, eventuais mudanças nas regras sobre conteúdos nas redes deveria ser feita Congresso Nacional.
O texto impede que plataformas como Google, Youtube, Twitter, Facebook e Instagram excluam publicações baseando-se apenas em violações das políticas próprias. Passariam a precisar de uma decisão judicial, exceto em episódios de violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nudez, apologia ou apoio ao crime, incitação à violência, pedidos do próprio usuário ou de terceiros.
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Ainda de acordo com o decreto, a fiscalização sobre a retirada do ar de alguma publicação ficaria a cargo da Secretaria Nacional de Direitos Autorais, atualmente sob comando de Felipe Carmona Cantera, segundo O Globo. O advogado é ex-assessor do deputado estadual de São Paulo Gil Diniz (sem partido), conhecido como Carteiro Reaça. Diniz foi acusado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) de propagar fake news contra adversários, além de ter sido citado em inquérito do Supremo Tribunal Federal que apura atos contrários à democracia.
Subverte o Marco Civil
Especialistas entendem que a proposta é ilegal e que eventuais mudanças nas diretrizes que regem as publicações em sites e redes sociais deveriam ter amplo debate no Congresso Nacional. “O projeto subverte o Marco Civil. Se o decreto fosse publicado, mudaria radicalmente como as redes sociais funcionam no Brasil. Além disso, instituiria um órgão público que vai dizer como as plataformas vão aplicar medidas de moderação na internet” disse, para o jornal O Globo, Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, centro de pesquisa especializado em direito e tecnologia.
Brito Cruz rechaça a alegação da Secretaria Nacional de Direitos Autorais de que a lei impediria que os provedores sejam responsabilizados por publicação de usuários e, portanto, as empresas não teriam o direito de retirar suas postagens. “O que está na lei é que os provedores de aplicação, como o Google ou Facebook não podem ser responsabilizados pelo conteúdo gerado por terceiros em um caso específico: se não receberem uma ordem judicial para retirar. O que o projeto diz é que qualquer retirada de conteúdo que não seja por ordem judicial é proibida. Isso não é o que a lei diz.”
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O professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza, diz à Folha de S. Paulo que “o decreto restringe a liberdade das empresas de gerir seus ambientes online. Vai assoberbar o Judiciário com casos triviais”. Ao mesmo veículo, o professor de Direito no UniCeub e integrante da Coalizão Direitos na Rede, Paulo Rená, afirma que o texto pode dificultar a remoção de conteúdos relacionados a fake news e discursos de ódio. De acordo com ele, lacunas na minuta podem manter intactas contas que divulgam nudez, por exemplo, antes de uma ordem explícita da Justiça.