Minas Gerais

ÁGUA

Privatização da Copasa pode resultar em grande desigualdade do saneamento em Minas

O sindicalista Eduardo Pereira explica como funciona a tarifa da empresa e porque ela protege regiões mais pobres

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
"A Copasa teve lucro nos últimos anos, mas a prioridade do estado foi distribuir dividendos para acionistas" - Créditos da foto: Reprodução

A venda da Companhia Mineira de Saneamento (Copasa) é uma das promessas do governador Romeu Zema (NOVO). Apesar de ter andado pouco, todos os passos neste sentido estão sendo acompanhados de perto pelos funcionários da empresa, parlamentares e defensores do saneamento básico universal.

Para conversar sobre esse tema, entrevistamos Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindagua/MG). Ele afirma que a privatização é uma grande porta para o aumento do preço da conta de água, que pode agravar a desigualdade de acesso a esse serviço.

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Rebatendo os argumentos do governo de Minas, Eduardo fala, ainda, do tema “eficiência”. O sindicalista apresenta números que mostram que a empresa, ao contrário do que se fala, é bem lucrativa. “Mas a prioridade do Estado, que é o sócio majoritário, é fazer a distribuição do dinheiro para os acionistas”, avalia.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato MG: No meio do ano passado, foi aprovada uma nova lei, que ficou conhecida como Marco Regulatório do Saneamento. Os setores progressistas fizeram muitas críticas, apontando que ela seria uma porta para a privatização no setor. O que aconteceu aqui em Minas, desde que essa lei foi aprovada?

Eduardo Pereira: É importante dizer que aqui em Minas temos um caso atípico. Nós temos um governo do estado, do Partido Novo, que já havia prometido privatizar a Copasa antes mesmo desse novo marco regulatório. Concomitante a isso, tivemos a nível federal essa reformulação do Marco Legal do Saneamento, com alterações principalmente na Lei 11.445/2007, dando origem à Lei 14026/2020.

Como funcionava antes? O município escolhia o melhor modelo de concessão de saneamento. Poderia fazer uma autarquia municipal, por exemplo, ou fazer um contrato de programa com uma empresa de economia mista ou pública. Já era possível fazer as licitações.

O novo marco praticamente obriga os municípios a fazerem licitação, abrindo portas para o setor privado assumir as concessões onde há um monopólio natural. Imagine colocar uma empresa que nem conhecemos para assumir uma concessão de um município de muitos anos, é uma irresponsabilidade!

Privatizar a Copasa ou a Cemig é mais uma questão ideológica do governo

O novo marco propõe a criação de unidades regionais, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro [com a privatização da Cedae]. Criaram-se unidades regionais e as que são superavitárias tiveram diversas propostas. As que não dão lucro não tiveram proposta alguma. Pode acontecer isso aqui em Minas Gerais, que é um estado muito desigual. Vai ter unidades regionais, a exemplo da região do Norte de Minas, onde fica o Vale do Jequitinhonha, que não terão proposta nenhuma.

O estado não é obrigado a aderir nesse momento. O que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), está fazendo é antecipar o que está previsto na Lei 14.026. Mas ela fere a autonomia dos entes federativos. As câmaras municipais e o Executivo praticamente não vão ter mais poder sobre suas concessões no saneamento.

Há discussões sobre a inconstitucionalidade dessa lei. Por isso, o governo do estado não precisa cumprir o cronograma da União, da Lei 14.026, e fazer a criação dos blocos regionais nesse momento. A situação da Copasa é totalmente diferente da situação da Cedae [empresa de saneamento do Rio, leiloada nos últimos dias].

BdF MG: Você citou a Cedae, que é uma empresa do Rio de Janeiro, cuja privatização está vinculada ao Regime de Recuperação Fiscal. Isso também está sendo discutido aqui em Minas Gerais. Como você vê essa proposta?

Minas tem uma situação totalmente diferente do Rio. Lá, o estado aceitou a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal e colocou a Cedae numa situação de vulnerabilidade, pois as ações da Cedae passaram para o BNDES. Isso não aconteceu em Minas porque, na época, Fernando Pimentel estava à frente do Estado e não quis aderir porque isso colocaria a Copasa e a Cemig em uma situação de vulnerabilidade. Hoje, poderia estar acontecendo o que aconteceu algumas semanas atrás com a Cedae. Por isso, existe uma certa dificuldade para a Copasa ser privatizada.

A gente sabe que a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal não melhoraria a situação de Minas Gerais. Privatizar a Copasa ou a Cemig não pagaria nem uma folha de pagamento do estado. Isso aí é mais uma questão ideológica do governo do estado. Ele pode fazer isso para atender a quem ele representa. Parece que ele não representa hoje a população do estado de Minas Gerais.

As privatizações não melhorariam a situação financeira de Minas Gerais

É importante fazer algumas comparações. O Rio de Janeiro não tem IDH baixo. Minas, só temos Belo Horizonte e Nova Lima com IDH muito alto, e mais da metade das cidades de Minas Gerais estão com IDH médio ou baixo.

Vou citar só um exemplo. Manaus, no ano 2000, privatizou a concessão com a promessa de que iria melhorar o serviço, universalizar o atendimento e, depois de 20 anos, o que vimos? As contas aumentaram, piorou o serviço. Hoje, a população está brigando para tirar a água da privatização. O que a gente viu foi a precarização do serviço de água nas periferias, e isso pode acontecer aqui no estado de Minas Gerais.

BdF MG: O governo, quando vai defender a privatização, alega que as privatizações tornariam o serviço mais eficiente, na medida em que, segundo o governo, uma empresa privada, ao assumir o serviço, para lucrar, passaria a investir mais. Como você vê esse argumento?

Eu acho que a definição de eficiência de Zema está errada. O governo Zema vem dizendo que vai privatizar a Copasa porque a empresa é ineficiente aos olhos dele. Porém, no ano 2019, a empresa apresentou resultado de R$ 754 milhões de lucro. No ano passado, distribuiu mais de R$ 1 bilhão para acionistas. O que precisa? Fazer investimento, mas a prioridade do estado, que é sócio majoritário, é fazer distribuição de dividendos para acionistas.

Manaus, no ano 2000, privatizou o saneamento. Depois de 20 anos as contas aumentaram e piorou o serviço

A Copasa é uma empresa de economia mista, 50,04% é do governo do estado, o restante é de investidores privados.

O governo do estado fez, organizado pela direção da empresa, um programa de investimentos para o ano de 2020 na casa de R$ 856 milhões e não conseguiu cumprir esse programa de investimentos. Para o ano de 2021, o governo de Minas prometeu investir mais de R$ 1,3 bilhão, mas apresentou no primeiro trimestre de 2021 um resultado de R$ 216 milhões, sendo que investiu apenas R$ 141 milhões no período, valor correspondente a apenas 10,4% do prometido para 2021. 

BdF MG: Para finalizar, o que pode acontecer se a empresa for privatizada?

Minas Gerais é o estado com o maior número de municípios do Brasil, que têm realidades muito diferentes. A Copasa não é obrigada a estar nos municípios. Ela está onde os municípios entenderam que é a melhor opção.

A privatização ocasionaria uma desigualdade no estado. A Copasa trabalha com subsídio cruzado, a mesma tarifa que ela opera em Belo Horizonte ela opera em uma cidade com IDH mais baixo. Por que? O compromisso dela, sendo uma empresa mista, é com o saneamento. Uma vez privatizada, o compromisso seria com o lucro.

Essa é a lógica do capital: prometer que o comprador vai investir mais, mas fazer uma universalização mentirosa. Ele vai querer arrecadar 10 vezes o que investir.

E, se não derem conta do serviço, vão empurrar para o município. Foi o que aconteceu em diversos países onde teve a privatização e, depois, a população pediu para reestatizar. O saneamento é um dos serviços mais essenciais à sobrevivência. A cada R$ 1 investido no saneamento, se economizam até R$ 12 na saúde.

Edição: Elis Almeida