Uma visão sobre a saúde mental que prioriza o tratamento com base no isolamento, na medicalização e no isolamento da pessoa com sofrimento psíquico.
Apesar de parecer um retrato de um passado que gostaríamos de esquecer, essa é a linha que tem avançado como política pública de saúde mental no Brasil, especialmente nos últimos quatro anos.
Esse é o alerta hoje, 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil, de profissionais da saúde, pesquisadores e movimentos que atuam para garantir tratamento humanizado na área.
Segundo Leo Pinho, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e ex-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, o que está em risco são conquistas do movimento antimanicomial dos últimos 30 anos.
"Eles seguiram a orientação do Guedes de ganhar dinheiro e do Salles, vamos passar a boiada. Drenar dinheiro público para equipamentos privados fazendo o jogo de favorecimento para sua base de apoio e desregulamentar várias legislações brasileiras, inclusive a possibilidade, hoje, de internar a população de rua e adolescentes", afirma Pinho.
Com a priorização de recursos para equipamentos privados, como hospitais psiquiátricos, que reproduzem a lógica de exclusão dos antigos manicômios, o impacto maior foi nos serviços públicos. No atendimento psicossocial do SUS, que teve alta da demanda de pessoas com sofrimento psíquico devido à pandemia, a verba não chegou.
"Enquanto eles davam recursos públicos para instituições privadas, inclusive dizendo que comunidade terapêutica era serviço essencial, faltou dinheiro público para treinar profissionais no uso de novas tecnologias, não equipou rede psicossocial com boas conexões de internet, não treinou as equipes para isso. Na prática, o que aconteceu? Desassistência. Em especial aos usuário com mais desigualdade social. no serviço público. mas não faltou dinheiro para indústria de leitos de internação e violação de direitos humanos", relata o representante.
Uma série de leis novas também foram criadas para incentivar o uso desses equipamentos privados. Uma delas, a resolução de julho de 2020, que permite a internação compulsória de adolescentes com problemas de abuso de substâncias. Para Flávia Blikstein, psicóloga e especialista em internação psiquiátrica de criança e adolescente, a resolução é uma explícito ataque aos direitos estabelecidos pelo ECA.
"Quando a gente interna, quando a gente tira uma criança de seu contexto, a gente está na verdade ferindo uns tantos e outros direitos. É duplamente problemático porque nós mesmos dissemos que é fundamental para criança e adolescente a convivência familiar e comunitária, o acesso à educação. E como a gente explica práticas que retiram as crianças dessa possibilidade? E aí, longas internações, 6 meses, longas internações", questiona a especialista.
A diminuição de espaços de discussão, a exemplo do veto presencial à Lei nº 13.840/2019, que descaracteriza os órgãos fiscalizadores e restringe a participação social na construção de políticas públicas na saúde mental, é outra frente de preocupação do movimento. Contra isso, o foco da pauta da luta, conforme lembra Pinho, é pela defesa ampla da democracia, do direito à diversidade e o acesso à tratamento humano e integrador.
"Só pode haver reforma psiquiátrica e luta antimanicomial no contexto da democracia. A principal agenda desse 18 de Maio é a da democracia. A segunda questão é o que o dinheiro público, seja usado na rede pública. Não queremos nenhum centavo para o setor privado que viola direitos humanos", conclui Pinho.
Flávia Blikstein afirma que quem defende tratamento em liberdade na saúde mental, compreende que a convivência com a diversidade melhora a vida de toda a sociedade.
Edição: Isa Chedid