Coluna

A indústria da moda violenta 1 milhão de mulheres costureiras

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Costureiras informais ou escravizadas nunca trabalham menos de 14 horas por dia - MPT / Agência Brasil
No Brasil, mais de 1 milhão de mulheres costureiras não contribuem com Previdência

A prática do trabalho escravo contemporâneo, na produção de roupas, é conhecida no Brasil desde a virada do século. Foi quando veio à público o esquema criminoso usado por grandes magazines: terceirizavam a produção e contratavam oficinas que escravizavam imigrantes bolivianos, objetivado reduzir custos.

Os casos ganharam repercussão internacional. Muitas empresas mudaram suas práticas. Hoje, as ocorrências de trabalho escravo são menos frequentes.

Se houve avanço no enfrentamento do trabalho escravo na indústria da moda, questões igualmente graves seguem sem solução. A produção de roupas é uma das mais opressivas e violentas atividade laborais exercidas por mulheres.

São elas as vítimas preferenciais de um setor que, em muitos casos, não leva em conta o valor da vida.

Violência de gênero e doenças

A cadeia produtiva da moda está amparada em uma lógica distópica. De um lado, o glamour de uma peça bem-acabada e que dará, a que for usá-la, deleite, conforto, cultura e identidade. Do outro lado, a costureira, que tem uma vida desesperadora, marcada por doenças graves, privação de liberdade, violência de gênero, assédio moral e sexual.

Este autor estuda a cadeia da moda há 20 anos. Recentemente, compilou informações para uma pesquisa em desenvolvimento. Alguns dados dizem respeito às condições de trabalho das mulheres costureiras, sistematizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), tendo como referência a PNAD Contínua.

O complexo setorial compreendido por Têxtil, Vestuário, Couro e Calçados emprega cerca de 2,7 milhões de pessoas. Mais de 70% são mulheres: 1,96 milhão de trabalhadoras.

Dentre as mulheres trabalhadoras, 58% são informais, o que dá mais de 1,1 milhão de mulheres. Destas, 80% não contribuem com a Previdência.

Tragédia humanitária

Os dados acima quantificam uma tragédia humanitária. Essas mais de 1 milhão de mulheres sem registro são vítimas invisíveis. Não são alcançadas pelas políticas públicas, não aparecem nos relatórios empresariais, são desconhecidas para quem está do outro lado da cadeia produtiva e compra as roupas costuradas por elas.

As costureiras informais ou escravizadas nunca trabalham menos de 14 horas por dia. Ganham menos que os homens, apenas pelo fato de serem mulheres. Boa parte delas dorme nas dependências das oficinas.

Muitas relatam assédio moral e sexual por parte de contratantes ou chefes de oficina. Algumas transformam a própria casa em oficina e colocam filhos e filhas menores para ajudar no trabalho.

As doenças ocupacionais começam a aparecer logo nos primeiros anos de atividade. Também são comuns as doenças provocadas por insalubridade.

Tuberculose

Em São Paulo, uma das técnicas de investigação para descobrir oficinas clandestinas de costura, é acompanhar o aumento dos casos de tuberculose nos bairros.

Se há aumento súbito de casos, muitas vezes é por conta da chegada de oficinas clandestinas, que constantemente migram para fugir da fiscalização.

Essas mulheres costuram para a lojinha da esquina, para as marcas de médio porte, para grifes caras e para grandes magazines instaladas em shopping centers.

Com as estruturas de fiscalização precarizadas e com consumidores mais interessados no valor da roupa do que no valor da vida, dificilmente esse cenário vai mudar.

Esse texto poderia ser encerrado com uma mensagem de otimismo, dizendo que é possível mudar esse cenário. Não é o caso. É mais uma tragédia humanitária que vamos engolir a seco, ainda por muitos e muitos anos.

 

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo