Política

Como a aproximação de Holywood com o Congresso afeta a democracia nos EUA?

Celebridades estão investindo seu capital social na política, mas resultado pode ser preocupante para a população

Brasil de Fato | Los Angeles (Califórnia) |
Donald Trump aproveitou a celebridade como apresentador de TV para chegar à Casa Branca - C-Span

Sem cortes ou edição, a administração pública não segue o típico roteiro de Hollywood, mas, ainda assim, alguns dos nomes estampados na calçada da fama insistem em se candidatar a postos de poder nos Estados Unidos.

Foi assim, aproveitando a audiência e o capital social alavancados na frente das câmeras, que personalidades como o ator Ronald Reagan e o ex-apresentador de TV Donald Trump chegaram à Casa Branca.

O eterno Exterminador do Futuro, Arnold Schwazernegger, também conseguiu se eleger como governador da Califórnia, cargo que a estrela de reality show Caitlyn Jenner almeja agora.

Entre Oscars e honrarias, o diretor Clint Eastwood pode também acrescentar o título de prefeito da cidade de Carmel-by-the-Sea entre os seus feitos, enquanto o rapper Kanye West ficou apenas no desejo de ser presidente do país.

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A união de tablóides e noticiário político tem sido cada vez mais frequente nos Estados Unidos, e a professora de ciência política da Universidade da Cidade de Nova York, Samatha Majic, sabe o porquê.

"Acredito que esse fenômeno seja consequência direta de três fatores: o avanço da desigualdade, a descentralização da política e a capacidade que essas celebridades têm de chamar atenção", diz em entrevista ao Brasil de Fato.

Para Majic, a globalização cria, direta ou indiretamente, a interferência externa nas eleições locais, o que melhor posiciona atores e músicos para cargos públicos, uma vez que esses nomes, muitas vezes, já são conhecidos em outros países. 

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"Eu não sei se o programa de TV do Donald Trump foi assistido fora dos EUA, mas sei que ele já figurou nos noticiários internacionais por conta de seus negócios e sua vida extravagante", comenta.

O script mais aceito por Darrell M. West, vice-presidente e diretor do centro de estudos de governança da Universidade Brookings, é o de que Hollywood e o Congresso têm mais em comum do que supomos.

É muito perigoso quando essas celebridades se metem na política porque, na maioria dos casos, elas não têm conhecimento substancial para exercer a função.

(Darrell M. West)

"Nós idolatramos essas celebridades, que ganham plena atenção da mídia e, geralmente, têm muito dinheiro. Todas essas coisas são perfeitamente traduzidas para o processo público", afirma à reportagem. 

Ambos os pesquisadores concordam que o fenômeno não é exatamente uma novidade, e que vestígios da interferência política da fama já eram percebidos na Roma e Grécia Antiga.

"É tudo uma questão de performance, drama e apelo emocional. Até os debates presidenciais são uma encenação. Essa teatrização da atuação política nos leva à Grécia Antiga, quando a administração pública era também uma performance", explica Majic.

West concorda: "As pessoas querem entretenimento, como acontecia no espetáculo circense da política romana".

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Esse fenômeno moderno, contudo é uma via de mão-dupla: vemos tanto celebridades que se engajam em atividades políticas, como servidores públicos sendo alçados ao posto de celebridade.

"Acho importante termos em mente que as pessoas famosas que lançam candidaturas representam uma porcentagem muito pequena, a maioria das estrelas participam da política apenas com a sua influência", pondera Majic.

"Por isso é cada vez mais comum que vejamos atores e músicos testemunhando no Congresso, nas Nações Unidas e palestrando em Davos. Mesmo que não sejam especialistas, eles servem de representantes, porque ganham mais atenção".

E o problema, para o professor West é justamente esse – que boa parte dos famosos não domine, na prática ou na teoria, o que pregam em seu ativismo digital. "É muito perigoso quando essas celebridades se metem na política porque, na maioria dos casos, elas não têm conhecimento substancial para exercer a função". 

Não bastasse a escassez de estofo político e admnistrativo, as personalidades públicas que vislumbram cargos de poder, na maioria dos casos, estabelecem plataformas conservadoras.

"Acho que é muito mais uma anomalia do que uma coincidência que todas essas celebridades defendam bandeiras conservadoras" ressalta. 

"É curioso porque geralmente associamos Hollywood a ideias liberais e globais, mas justamente os que querem se candidatar são o oposto disso", expõe Majic, que completa: "Talvez seja a maneira que essas celebridades encontraram de proteger suas fortunas e seus interesses, mantendo intact o status quo em termos de impostos e afins". 

Esse mesmo roteiro, da fama se misturar com a política, tem se repetido mundo afora – inclsuive no Brasil, onde jogadores de futebol, humoristas, participantes de reality shows e influenciadores digitais se candidatam aos montes para cargos públicos. O apresentador global Luciano Hulk considera a ideia de se lançar presidente há tempos, embora ainda não tenha concretizado a expectativa.

"Enquanto a política continuar focada em fama e dinheiro, continuaremos vendo essas celebridades se candidatando. A única forma de mudar isso seria adotando um sistema político que dá mais ênfase à experiência do que à fama", conclui o professor West.

O otimismo do docente vai de encontro com a realidade proposta por Samantha Majic: "Neste mercado impulsionado por cliques e marcado pelo déficit de atenção, as celebridades são melhores em prender a atenção das pessoas porque, honestamente, nos importamos mais com o futebol, com filmes e com qualquer outra coisa do que com a política. Por isso os brasileiros têm maior chance de prestar atenção num jogador de futebol famoso do que num membro do Congresso".
 

Edição: Leandro Melito