O objetivo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid é investigar se o notório comportamento negacionista do governo Bolsonaro transformou-se especificamente em políticas públicas. Quem afirma é o relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), convidado do programa Entre Vistas, que foi ao ar na noite desta quinta-feira (6) pela TVT, sob o comando do jornalista Juca Kfouri. Para isso, a CPI vai investigar fatos e não pessoas, um diferencial em relação a outras comissões, segundo o parlamentar.
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“O papel da Comissão Parlamentar de Inquérito não é investigar se alguém usou a cloroquina, se foi feito ou não o tratamento precoce, se houve uma desmotivação para o uso de máscara ou distanciamento social. Não é essa a questão. O papel é saber se houve responsabilidade, ou não, quando transformaram isso em política pública. Isso é, e o Mandeta disse aqui (na CPI), um problema de probidade discutível”, explicou Renan Calheiros.
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Quando questionado sobre jornalistas ou médicos que estimulam o comportamento negacionista, o senador respondeu que entende que essas manifestações estão dentro dos limites da liberdade de expressão. Apesar do desserviço, é um direito. “Essas pessoas não cometem crime quando fazem isso. O grave é transformar isso em política pública, é gastar dinheiro público para isso. Se isso aconteceu, não tenha dúvida de que (o governo Bolsonaro) será responsabilizado“.
Renan também rechaçou a ideia de que a CPI pode ser usada como trampolim político. “Não estamos preocupados em produzir personagens, criar novos atores, usá-la como palanque político. Queremos esclarecer os fatos”, disse. “Essa comissão tem começo, meio e fim. Ela é diferente das outras, ela não trata de desvio de recursos. Se houver, dentro da nossa competência, vamos investigar. Mas essa comissão objetiva salvar vidas. Corrigir o que continua errado e podia ser corrigido lá atrás. Se isso tivesse acontecido, teríamos salvo muitas vidas no nosso país. Ela vai investigar fatos, não pessoas”.
Ministro Pazuello
Outro ponto abordado na entrevista foi o adiamento do depoimento do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sob alegação de que ele havia entrado em contato com pessoas infectadas com o coronavírus. “Foi um constrangimento muito grande para a CPI e para o próprio Exército. O presidente da comissão (Omar Aziz, PSD-AM) falou em algumas oportunidades com o comandante do Exército e claramente o ex-ministro Pazuello procura transformar a corporação em um biombo para não comparecer”, disse Renan, que chamou de “histórico” o depoimento a ser realizado no dia 19 de maio. “Ele não precisaria se submeter à quarentena, bastaria fazer o teste. Se ele estivesse com covid, claro, ele não iria. Se não estivesse, seria importante que viesse”, acrescentou.
Dando pistas sobre qual caminho vai seguir nos questionamentos a Pazuello, o senador citou uma passagem do depoimento de Nelson Teich, ministro que antecedeu o militar. Nele, perguntou se o general, que não tinha qualquer experiência na área quando foi indicado por Bolsonaro para o cargo de secretário de Teich, evoluiu o suficiente para ser a maior autoridade pública de saúde do país. Ouviu um não como resposta. “É aquela coisa da especialidade. Deu no que deu, porque pessoas que não conheciam a saúde pública ficaram com essas tarefas”, falou Renan.
O relator explicou, ainda, que Pazuello “não vai depor como investigado, vai como testemunha. E tem uma sutileza importante aí. O Supremo decidiu que o investigado não é obrigado a comparecer para depor, para não produzir prova contra ele próprio, que é um princípio constitucional. Mas a testemunha, não. Essa tem de comparecer e tem de prestar depoimento sob compromisso de dizer a verdade”. Renan, porém, esquiva-se de confronto aberto com os militares. “A narrativa que querem fazer é que nós queremos expor a institução (Exército). Isso não vai acontecer. Vamos ouvir o Eduardo Pazuello como ministro. Queremos saber como ele colabora para os esclarecimentos dos fatos que nos levaram a essa situação”.
Guedes, Anvisa e Bolsonaros
Renan Calheiros comentou sobre possíveis outras convocações. Um que não deve escapar é o ministro da Economia, Paulo Guedes. “O ministro Paulo Guedes, incompreensivelmente, tem repetido declarações estapafúrdias nos últimos dias. Isso é uma carga muito forte no rumo de sua convocação. Já há até requerimento. Na medida em que ele continua a fazer esse tipo de comentário, isso está sendo visto por mim como uma autoconvocação. O Randolfe apresentou o requerimento e eu vou apoiar”, disse, referindo-se ao vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Sobre integrantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), disse achar “fundamental, insubstituível”, lembrando que as agências têm de gravar as reuniões, então a CPI vai requisitar os vídeos para definir quem pode, ou deve, ser ouvido. Porém, ele descartou integrantes da família de Jair Bolsonaro: “Não serão esclarecedoras do ponto de vista daquilo que a gente quer investigar”.
Três crises
O parlamentar fez, ainda, uma análise do atual momento em que o país se encontra. “Estamos vivendo a concomitância de três crises. Uma pandemia internacional com os resultados que estamos assistindo e pagando o preço em vidas. Uma econômica, que vem desde 2014 e ainda continua, e uma crise política, relevante, porque o presidente da República imaginava ter maioria no Senado Federal. Mas ele apenas imaginava porque, quando chegamos na composição da Comissão Parlamentar de Inquérito, essa maioria se desfez”, disse. “Há uma evidente correlação que se manifestou pela eleição do presidente da comissão e minha indicação para relator e pela eleição do senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) para a vice-presidência. Uma relação de 7 a 4”.
No ponto econômico, respondendo a um questionamento do presidente da CUT, Sérgio Nobre, sobre o auxílio emergencial, Renan Calheiros condenou a paralisação “não só do auxílio emergencial, mas também das políticas que objetivavam colaborar na sobrevivência das pessoas, na produção, nas iniciativas familiares. Isso é tudo é muito importante. Nós tivemos sempre em consonância com os trabalhadores, com a representação como a CUT. Eu quero dizer ao Sérgio que contará sempre da mesma forma que contou com meu modesto trabalho e contribuição aqui no parlamento nacional”.