Resistência

Agricultoras se deslocam de ônibus e barcos para escoar suas produções no Pará

Além dos problemas logísticos, há risco de contaminação em função da pandemia, mas trabalhadoras não pensam em desistir

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Da direita para a esquerda: Euci Gonçalves, presidente da CUT/PA; Daiane de Sousa, agricultora de Igarapé-Miri; Zeti Marques e Maria Liriolinda, da comunidade do Carapajó, em Cametá. - Catarina Barbosa/Brasil de Fato

Banana, mamão, cupuaçu, café com erva doce, mel de abelha. Os produtos da agricultura familiar são diversos e não agridem nem a saúde humana e nem o meio ambiente. No entanto, compartilhar comida de verdade é uma luta para aquelas mulheres que escolhem esse compromisso. Sem apoio governamental, elas encontram força na coletividade para continuar resistindo.

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A agricultora Elizete Marques de Souza, de 40 anos – mais conhecida como Zeti – seguiu de Cametá, território do Baixo Tocantins, no nordeste do Pará, para a capital. Ela conta que a iniciativa de oferecer produtos agroecológicos para comercializar em Belém (PA), foi uma forma de fazer com que as mulheres que trabalham na roça garantam renda e independência financeira.  


Castanha do Pará, banana, doce, mel de abelha, tapioca, mamão, limão, café com erva doce e doce de cupuaçu. Essas foram as aquisições de produtos da agricultura familiar da jornalista Cláudia Horn / Claudia Horn/Arquivo pessoal

No entanto, esse processo de escoar os produtos carrega consigo uma série de entraves, que recaem, sobretudo, na falta de políticas de apoio à agricultura familiar e logística.

Para chegar à capital paraense nesta sexta-feira (7), as agricultoras precisaram pegar uma lancha da comunidade do Carapajó, onde moram, até Cametá. O trajeto foi feito na quinta-feira (6) à tarde. Até às 22h, em Cametá, elas organizaram as produções, isso porque os alimentos produzidos são de diversos agricultores e depois que as coisas são vendidas, os valores são repartidos.

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Essa organização da produção durou até às 2h da madrugada desta sexta-feira (7), quando elas pegaram a estrada até a capital.

Nesse momento, o carro que elas tinham fretado para trazer os produtos quebrou. 

"A gente ficou por algumas horas na estrada para conseguir ajuda e o carro voltar a funcionar. Mas chegamos: cansadas, com fome, mas chegamos. Esse trabalho é gratificante, porque a gente vem de longe e sabe que tem produção para levar para as pessoas", afirma Zeti.

Em Igarapé-Miri, Cametá e Limoeiro do Ajuru, no nordeste do Pará, há feiras da agricultura familiar consolidadas, mas, no momento, elas estão paradas em função das medidas de restrição necessárias para o combate à pandemia do novo coronavírus

Na capital, Belém do Pará, a feira foi realizada na sede da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (Fetagri). 

"Nós queremos mostrar para o poder público que temos produtos. Eu falo pelo meu município, Cametá. Na maioria das vezes, eles [prefeitura] argumentam que não compram da agricultura familiar para a alimentação escolar, porque não tem produção. É só ir até a feira e ver a diversidade de produtos que temos. Então, essa é uma forma de mostrar para o poder público que temos produção e é uma produção organizada", defende a agricultora. 

Alimentando na pandemia

Além das dificuldades logísticas, os riscos de contaminação em função da pandemia são muitos. Contudo, Zeti afirma que para além da proposta de renda e independência financeira das agricultoras há o comprometimento com a segurança alimentar.

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Zeti faz parte da Rede Jirau de Agroecologia e lembra que o ato de levar comida de verdade para a mesa da população é uma ação movida, em sua maioria, por mulheres que fazem a plantação, colheita, divulgação e comercialização dos produtos.

Porém, com a pandemia do novo coronavírus foi preciso encontrar outras formas de escoar a produção. De início, as agricultoras vendiam cestas com produtos da agroecologia por sistema de delivery.

Atualmente, elas trabalham por encomenda via WhatsApp. As pessoas podem escolher em um cartaz os produtos que querem comprar e elas fazem a entrega.

Apesar da iniciativa dar resultados, a falta de apoio prejudica o escoamento de alguns produtos como é o caso das hortaliças. Ela explica que a venda de alface e rúcula regional são inviáveis por falta de estrutura. Já o cheiro verde (agregado de coentro, salsinha) precisa ser molhado com gelo durante toda a viagem para não estragar. 

"A alface não tem como trazer, porque é muito melindrosa, já a rúcula e o espinafre fica inviável devido a falta de estrutura. A gente vem de ônibus, mas tem medo. Nós temos nossas famílias, e temos medo de nos contaminar. Vir de transporte coletivo é muito complicado. Dessa vez, tivemos a iniciativa de vir de carro e o carro quebrou. Mas somos mulheres e a gente não desiste. Temos nossos sonhos e sonhamos com os pés no chão, porque a gente sabe o que a gente quer", explica Zeti. 

A agricultora Maria Liriolinda, também de Cametá, conta que a viagem é cansativa, mas compensa não apenas por elas e suas companheiras. O esforço vale pela renda de todas as agricultoras que enviaram seus produtos.

"Aqui tem produtos de várias famílias, a banana é de uma plantação, a macaxeira de outra. Com a venda desses alimentos, conseguimos levar algum dinheiro para as pessoas que vivem tempos tão difíceis nessa pandemia", defende Maria Liriolinda. 

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A alemã Claudia Horn está no Brasil desde 2018 e mora em Belém desde 2019. Ela estuda política ambientais internacionais e diz que faz questão de comprar apenas da agricultura familiar. A motivação de Claudia vai para além da saúde, apoiando o movimento [popular do campo], sobretudo, diante dos cortes promovidos pelo governo Bolsonaro. 

"São muitos os cortes em um setor que já sobrevivia com dificuldades. Além disso, eu pesquiso esse campo e quero fortalecer essas alternativas", afirma a alemã.

Apoios

A presidenta da Central Única dos Trabalhadores no Pará (CUT/PA), Euci da Costa Gonçalves, trabalhadora rural quilombola do município de Mocajuba, conta que antes da pandemia havia um calendário permanente com uma série de diálogos encaminhados para consolidar a realização das feiras agroecológicas.

No entanto, atualmente, a CUT/PA, a Fetagri, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e outras entidades responsáveis pelo processo de formação das mulheres têm disponibilizado espaço e contribuído com o transporte e logística.

"Sabemos que é pouco diante do que podemos disponibilizar no sentido de apoio e solidariedade, mas continuamos resistindo", afirma Euci Gonçalves.

Outro ponto levantado pela quilombola é o retorno da fome para milhares de brasileiros, o que faz com que muitas pessoas comam o que tiver disponível. 

"Hoje para quem está passando fome, qualquer produto que chega à mesa, essa pessoa come, porque não tem como escolher, não tem nem como fazer seleção e nós nos preocupamos com isso", alega a presidenta da CUT/PA.

A CUT/PA integra o Comitê de Combate à Fome com uma série de iniciativas de arrecadação e doação de alimentos. Além disso, há frentes para promover o diálogo junto ao governo municipal e do estado para unir as ações que já existem.

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Para Euci, apesar das dificuldades, é preciso ter esperança de que a produção da agricultura familiar seja a forma mais justa de alimentar a população. 

"Eu vejo isso como um 'esperançar', que é não abrir mão dessa luta, que vai além da comida. É para preservar a vida, por meio do meio ambiente, dos recursos naturais. Então, vejo que o governo [federal] implementa cada vez mais a negação de não reconhecer que existimos e, nós, na contramão, em um confronto de que é possível fazer isso", destaca. 

Edição: Daniel Lamir