Violação de Direitos

Despejos de vulneráveis continuaram durante a pandemia em 2020, diz relatório

As principais justificativas para remoções foram restrições ambientais, avanço de obras públicas e reintegração de posse

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A resistência e a organização popular também aconteceram e geraram efeitos positivos: 31 despejos foram suspensos após mobilização popular. - Tom Cabral

No ano em que a principal recomendação era ‘fique em casa’, o ritmo de despejos de famílias em condições vulneráveis se manteve na região metropolitana de São Paulo. É o que mostra o relatório do Observatório de Remoções, com dados compilados do ano de 2020.

Segundo o documento foram 21 remoções que impactaram cerca 3 mil famílias e 48 ameaças de despejos, envolvendo cerca de 7 mil famílias. Os números dizem respeito apenas às remoções coletivas e não individuais.

“Quando começou a pandemia, achávamos que as remoções iriam diminuir, mas não, elas continuaram, inclusive tendo uma qualidade bem violenta”, afirma Isabella Alho, pesquisadora do Observatório de Remoções.

Além da violência da remoção, o total desamparo das famílias após a remoção é um dos agravantes do cenário, especialmente em casos derivados de processos administrativos. “Às vezes as remoções têm processos judiciais rolando, mas as remoções administrativas permitem que mais ilegalidades sejam realizadas, sem apoio às famílias ou destino dessas famílias, sem possibilidade de defesa”, explica Alho.

Segundo a pesquisadora, não apenas os casos das remoções geram violência, mas também os processos de ameaças de despejos. “A ameaça de remoção, ela é muito violenta também. A polícia fica assediando os moradores, muitas vezes a GCM, durante a noite, enviando notificações. As famílias não sabem se vão ter casa ou não”, afirma.

O corte de políticas públicas feito pelo governo Bolsonaro, principalmente as de habitação popular, aprofundou o problema em âmbito nacional, segundo explica Victor Amatucci, militante do movimento por moradia.

“Depois [que o governo Bolsonaro] entrou, não houve nenhuma contratação de moradia popular do Minha Casa Minha Vida. Ou seja, nenhum plano de habitação popular. Criou-se um engodo criando [o programa] Casa Verde Amarela e não atende moradias populares. A gente está num contexto que é muito trágico para uma pessoa que precisa de algum tipo de auxilio do estado.”

Resistência popular

Mas, nesse cenário de desamparo e piora crescente de condições, as reações populares também acontecem e surtiram efeitos concretos. É o que mostra o relatório feito pela Campanha Despejo Zero, que articula ações contra processos de despejo durante a pandemia. Segundo o relatório, 31 casos de remoção foram suspensos, após pressão popular em todo território nacional.

“Esses resultados são muito importantes para dar fôlego nesse momento em que temos muitas coisas ruins acontecendo. Notícias de vitória, que mostram que é possível suspender com a organização popular, são muito boas”, diz Isabella Alho.

Um deles foi da comunidade do Novo Chuvisco, localizada na subprefeitura do Jabaquara, Zona Sul de São Paulo. Em agosto do ano passado, após ameaça de remoção, a comunidade se organizou para não ser despejada sem nenhum amparo da prefeitura

Janaína Rosa, massoterapeuta e moradora da comunidade, relembra o episódio. “Nós lutamos, não foi fácil, foi muita briga. Enfrentamos a tropa de choque. Enfrentamos o comando da polícia da GCM. Estavam todos em peso”, diz

Após resistência, com a ajuda de organizações populares e a Defensoria Pública, a comunidade conseguiu reverter a reintegração.

“[O subprefeito] voltou atrás não por ser bonzinho, ou se solidarizar com a gente. Ele cedeu porque viu que ia haver um embate de corpos, da polícia de um lado, e a comunidade de outro. Nós fizemos realmente uma mobilização combativa”, lembra Janaína.

“Para nós foi uma vitória sim, permanecer numa área em que a gente ia sair com uma mão e outra atrás, pra gente já é uma vitória. Moradia é um direito e nós não estamos pedindo nada além do que está na Constituição, que é o direito à moradia”, finaliza a massoterapeuta que atualmente ainda vive na mesma casa, que era pra ter sido demolida há um ano atrás.

Edição: José Eduardo Bernardes