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Depoimento na CPI: Teich reafirma que falta de autonomia no governo motivou sua saída

Problema teria ficado “mais evidente” em relação às diferenças com Bolsonaro sobre uso da cloroquina para covid

Brasil de Fato | Brasília (DF) e São Paulo (SP) |

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Falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e à extensão do uso da cloroquina", destacou Teich, na CPI - Jefferson Rudy/Agência Senado

Em depoimento à CPI da Pandemia nesta quarta-feira (5), o ex-ministro da Saúde Nelson Teich afirmou que decidiu pedir demissão da pasta após divergência com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o uso de cloroquina no tratamento contra covid-19.

“As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e à extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da covid-19”, afirmou Teich, que, confrontado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), fez um mea-culpa.

O ex-gestor também comentou, ao ser perguntado, o que teria ficado sabendo a respeito de possíveis casos de efeitos nocivos dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina em pessoas que ingeriram os produtos: “Em relação a usar, sei que tem pessoas que usaram e tiveram problema”.

Ao tratar sobre a falta de coordenação da crise sanitária no país, Teich disse defender que a “liderança tem que ser do Ministério da Saúde e, indiretamente, do governo como um todo”.

“Eu achei que era uma pessoa que tinha preparo para conduzir o país numa pandemia e depois dela. E é uma honra você poder ajudar seu país, principalmente em um momento tão difícil”, manifestou ainda o ex-ministro ao falar de sua própria experiência, naquilo que foi o ponto alto de um depoimento de caráter morno e sem muita saliência ou ineditismos.

As características da oitiva do ex-gestor repetiram a configuração da sessão da CPI na última terça-feira (4), quando Luiz Henrique Mandetta, antecessor de Teich na chefia do Ministério da Saúde, foi interrogado pelos senadores.

Exército

Indagado sobre o aumento na produção de cloroquina nos laboratórios do Exército, por exemplo, Teich afirmou não ter dado a ordem para a fabricação e disse desconhecer o processo que culminou na decisão.

“O dia a dia era extremamente intenso, porque era um momento muito difícil. Faltavam respiradores, faltava EPI [Equipamento de Proteção Individual], as mortes [estavam] aumentando, os casos aumentando, e [esse] foi um assunto que não chegou a mim, em relação à produção de cloroquina.”

Vacina

O tema da vacinação também surgiu em meio a diferentes questionamentos colocados pelos membros da CPI. Teich foi perguntado, por exemplo, sobre a tese de “imunidade de rebanho”, defendida por Bolsonaro e negacionistas aliados, e contrapôs: “Imunidade você vai ter através da vacina, e não através de pessoas infectadas”.

Ele também comentou, sem manifestações muito contundentes, a desorganização do governo Bolsonaro naquilo que se refere ao planejamento da compra de vacinas. “Numa estratégia em que a gente tivesse foco na vacina, a gente teria tido acesso maior e mais precoce à vacinação”, disse o ex-ministro, ao olhar pelo retrovisor e mirar os problemas que o país tem enfrentado.

Senadoras

A CPI foi interrompida pelo presidente Omar Aziz (PSD-AM) após um bate-boca entre parlamentares governistas e senadoras que integram a bancada feminina e se inscreveram para inquirir o ex-ministro. Pelo regimento do Senado, somente os integrantes da CPI – titulares e suplentes – poderiam perguntar. No entanto, um acordo firmado na terça (4) entre a presidência da comissão e os demais membros do colegiado decidiu pela presença e pela inscrição das mulheres.  

Ciro Nogueira (PP-PI) foi o principal opositor à participação das senadoras. “Se foi um erro das lideranças não indicarem as mulheres, a culpa não é nossa”. Com 11 titulares e seis suplentes, não há senadoras entre os membros da comissão. O assunto tem sido um ponto de crítica à CPI e às bancadas dos diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos seus representantes no colegiado.

 “Vou aceitar hoje, em respeito à senadora. Nada contra. Mas isso não está em regimento, não foi acordado pela comissão, e a gente fica sempre com o papel de ser o vilão dessa comissão por querer cumprir o regimento”, apontou Ciro, que foi rebatido pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

“Não entendo por que tanto medo das vozes femininas”, reagiu a parlamentar, que acompanha os trabalhos da CPI desde o primeiro dia de sessão. Ela anunciou, na ocasião, que compareceria a todas as audiências e atividades do colegiado.

Líder da bancada feminina, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) enfrentou Nogueira. “Privilégios são inadmissíveis e as mulheres nunca irão pleitear, prerrogativa é diferente. Pedimos ao plenário dessa comissão ontem para ter direito de fala na lista dos titulares e dos suplentes.”

Os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) saíram em defesa de Nogueira e interromperam as mulheres, gerando um bate-boca que acabou motivando a suspensão temporária da sessão.

Edição: Rodrigo Chagas