Estudo dos EUA

Como China e Vietnã controlaram a covid com mais eficiência que gigantes capitalistas

Resposta rápida e capacidade de vigilância fizeram a diferença, diz pesquisa da Universidade de Michigan

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Vietnã teve apenas 35 mortes por covid; sudeste brasileiro, com a mesma população, teve 186 mil óbitos - Manan VATSYAYANA / AFP

Estados Unidos e Vietnã travaram uma guerra de quase 20 anos entre 1959 e 1975, com milhões de mortos. O confronto terminou com uma vitória heroica do exército norte-vietnamita, apoiado por potências comunistas.

Meio século depois, os dois países disputam novamente uma guerra, com características distintas: cada um em seu território, contra um inimigo comum.

Tal qual no século 20, apesar da desvantagem em termos econômicos, o país asiático adotou uma estratégia mais bem-sucedida, chamando atenção da comunidade internacional. Os EUA, por outro lado, ocupam a liderança do ranking mundial de mortes.

Das dez maiores economias do mundo antes da economia, a China é o único país governado por um partido comunista e o único com número de mortes inferior a 5 mil

Por coincidência, autoridades vietnamitas e estadunidenses reportaram o primeiro caso do novo coronavírus na mesma semana, iniciada em 19 de janeiro de 2020. Em 1º de fevereiro, os vietnamitas declararam “ameaça de pandemia”. A Casa Branca, por sua vez, aguardou a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), que veio 40 dias depois.

A agilidade do Partido Comunista Vietnamita (PCV) para reagir diante do vírus é descrita como “impressionante” no estudo Políticas do coronavírus, lançado em abril pela Universidade de Michigan, dos EUA.

Em 653 páginas, cerca de 70 pesquisadores de diferentes nacionalidades comparam a capacidade de resposta de governos na Ásia, na Europa, nas Américas e na África.

Autoritarismo?

Entre as várias conclusões e hipóteses levantadas, fica claro que mesmo os países capitalistas que mais acertaram no enfrentamento à covid-19 não tiveram tanto êxito quanto países com governos comunistas ou com regime de partido único, como China e Vietnã.

Os pesquisadores da universidade estadunidense descrevem essas experiências como “regimes autoritários”, mas não deixam de reconhecer seus feitos durante a pandemia.

“Os países com resposta mais feliz foram aqueles que reagiram rapidamente e com políticas sociais e sanitárias robustas”, conclui o estudo.

“Uma variedade intrigantemente incompatível de países como Vietnã, Mongólia, Alemanha, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Taiwan e Noruega tiveram bons resultados. No final do ano [2020], China e Vietnã, com números irrisórios de casos e mortes, estavam em melhor condição do que Alemanha ou Canadá”, acrescentam os pesquisadores. 

A comparação com Alemanha e Canadá é pertinente, uma vez que são duas potências capitalistas com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com respostas consideradas satisfatórias diante da pandemia.

Das dez maiores economias do mundo antes da covid, a China é o único país governado por um partido comunista e o único com número de mortes inferior a 5 mil.

O que o texto chama de “autoritarismo” não garantiu, por si só, um bom desempenho no combate ao vírus. Fizeram a diferença, segundo a pesquisa, decisões baseadas na ciência, capacidade de comunicação e vontade política dos governantes.

“O governo do Vietnã se comprometeu a impedir a disseminação a covid-19 e usou as redes do Partido para mobilizar uma campanha pública para proteger a saúde de seus cidadãos. Em contraste, o líder autoritário de longa data do vizinho, o Reino do Camboja, negou o impacto do vírus, continuou a aceitar visitantes da China, recusou-se a usar máscara e fez uma campanha de baixo esforço contra a covid-19”, observa o estudo.


Imagem de uma rua de Hanói, no Vietnã, do dia 4 de maio de 2021: eles continuam usando máscaras / Manan VATSYAYANA/AFP

Como a China conseguiu dar a volta

Embora tenha registrado os primeiros casos do novo coronavírus no mundo, a China já havia eliminado a transmissão comunitária na maioria das regiões em março de 2020 – um feito incomparável com qualquer outro país.

A pesquisa, realizada nos EUA, critica a “retenção de informações” por autoridades na cidade de Wuhan em dezembro do ano anterior, o que teria atrasado a implementação das primeiras medidas.

Por outro lado, descreve o impacto positivo e sem precedentes da mobilização encabeçada pelo Partido Comunista Chinês (PCC) em 20 de janeiro.

Leia também: Epicentro da covid há um ano, Wuhan é hoje a cidade “mais segura”, relata brasileiro

A rápida construção de hospitais e locais de quarentena e a produção de equipamentos de proteção individual (EPI) e suprimentos médicos permitiram à China controlar rapidamente a disseminação do vírus.

Os autores chamam atenção para a estrutura “leninista” do PCC, que permitiu a implementação eficiente de políticas de confinamento, somada ao trabalho de organizações comunitárias paraestatais e comitês de bairro, que capilarizaram a disseminação de informações.

O investimento na testagem, na vigilância e no rastreamento de possíveis infectados foi outro mérito do governo chinês, segundo o estudo.

“A chave para o sucesso da China foi sua política severa de confinamento. Quase toda a sua população de 1,3 bilhão de pessoas ficou confinada de quatro a oito semanas, começando no fim de janeiro”, ressalta o texto.

“Essa política foi aplicada desde o nível mais baixo, por comitês de bairro nas cidades e por comitês de vilarejo no campo, liderados por membros do partido e compostos por funcionários locais, voluntários e trabalhadores em regime de meio período”, acrescenta.

Leia também: Pandemia demonstrou sofisticação política e institucional da China, diz pesquisadora

Com a maior população mundial, a China teve 90.714 casos de covid e 4,6 mil mortes. O número de óbitos é inferior ao de capitais europeias como Roma, Londres e Madri.

Nos Estados Unidos, que ainda hoje são a maior economia do mundo e têm um bilhão a menos de habitantes que a China, o número absoluto de óbitos por covid é 125 mil vezes maior.

O exemplo vietnamita

O Vietnã é elogiado por decretar e manter intervenções não farmacêuticas (NPI, na sigla em inglês) desde cedo. São exemplos de NPI a obrigatoriedade do uso de máscaras, o isolamento de infectados e a definição de regras para evitar aglomerações.

Outra decisão acertada e precoce, segundo o estudo, foi o fechamento da fronteira de quase 1,3 mil km com a China e a criação de um Centro de Operação de Emergência de Saúde Pública, para definir estratégias, já em janeiro de 2020.

“Em grande parte, o sucesso do país deve-se à capacidade de vigilância do governo vietnamita. O país mantém uma estrutura hierárquica comunista, com extensas redes partidárias, desde a sua independência em 1945, proporcionando-lhe ferramentas valiosas na implementação de uma estratégia preventiva de baixo custo para combater a covid”, descrevem os pesquisadores.

“A resposta se baseou em rastreamento de contato completo, quarentena obrigatória, exames de temperatura em massa e mensagens de saúde pública consistentes e generalizadas, geralmente conduzida por grupos sociais e sindicatos afiliados ao partido”, completam.

Todos os hospitais do país foram colocados em alerta máximo no dia 3 de janeiro, e orientações sobre a prevenção da transmissão foram distribuídas quando a China reportava apenas 27 infectados em Wuhan.

O programa de seguro social de saúde vietnamita garante atendimento a 87% da população gratuitamente, o que facilitou a identificação e o tratamento dos pacientes de covid-19.

A expectativa de vida é 76 anos, uma das maiores da região. Segundo a pesquisa, o governo mostrou ter tirado lições de outras doenças infecciosas, como dengue e malária.

Com 96 milhões de habitantes, o Vietnã registra apenas 2.985 infectados e 35 óbitos por covid. O sudeste brasileiro tem aproximadamente a mesma população e registrou 186 mil mortes – em termos proporcionais, são 5.000 vezes mais.

O Vietnã teve apenas nove mortes a mais que a Nova Zelândia, exemplo mais recorrente de país capitalista que conteve a disseminação do vírus. O país da Oceania tem 90 milhões de habitantes a menos e beneficiou-se do fato de não ter fronteiras terrestres com nenhum vizinho, o que facilita o controle da entrada e saída de pessoas.

Proporcionalmente, a taxa de óbitos na Nova Zelândia é quase 20 vezes maior que no Vietnã.

Edição: Vinícius Segalla