Em meio ao debate sobre a urgência de uma reforma tributária no Brasil no Congresso Nacional, três organizações não governamentais, a ACT Promoção da Saúde, a Oxfam e o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) defendem uma proposta bem diferente das ideias epresentadas até o momento por Paulo Guedes, ministro da Economia, e outros parlamentares.
Enquanto os projetos em voga têm como foco a simplificação dos tributos, as organizações lançaram no início de abril a Reforma Tributária 3S: Solidária, Saudável e Sustentável.
Segundo Marcello Baird, coodenador de advocacy (estratégias para mudar políticas públicas) da ACT e autor do livro Saúde em jogo: atores e disputas de poder na Agência Nacional de Saúde Suplementar, o objetivo principal da proposta é impactar a sociedade brasileira por meio da redução da desigualdade, da promoção da saúde e do meio ambiente.
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Para isso, além de focar na tributação progressiva sobre renda e patrimônio, a iniciativa destaca a necessidade de aumentar tributos de setores que lucram muito com produtos comprovadamente danosos à saúde e ao meio ambiente, como já fazem dezenas de países.
Entre eles o tabaco, bebidas adoçadas como refrigerantes, bebidas alcóolicas e agrotóxicos. Com uma maior tributação e consequente aumento no preço final do produto, há um desincentivo ao consumo principalmente entre as populações mais pobres, que são as que mais sofrem diretamente com epidemia do tabagismo, com a obesidade e outras comorbidades que, inclusive, deixam os indivíduos ainda mais vulneráveis à infecção pelo coronavírus.
“Vamos na contramão do que outros países fazem. Já são mais de 40 países no mundo, desde vizinhos nossos, como Chile e México, ou países da Europa, como Inglaterra e França, que possuem uma tributação específica sobre bebidas adoçadas justamente para desestimular o consumo desse produto”, afirma Baird.
O coordenador de advocacy da ACT ressalta que aumentar a tributação sobre os produtos seria positivo para os cofres públicos e poderia impactar diretamente no combate à pandemia.
“Se criassemos um tributo de 20% sobre o preço final de bebidas adoçadas, conseguiríamos arrecadar R$4,7 bilhões. Um valor suficiente para comprar 80 milhões de vacinas”.
Outra defesa da Reforma Tributária 3S é acabar com os subsídios que existem a essas indústrias.
"Não tem sentido o Estado brasileiro dar subsídios a produtos que fazem mal à saúde”, endossa Baird.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o texto inicial da proposta de reforma tributária deve ser apresentado na próxima segunda-feira (3). Em paralelo, as organizações seguem apresentando a proposta alternativa para angariar apoio no Congresso Nacional.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato - O que seria a reforma tributária 3S? Quais os pilares da proposta?
Marcello Baird - A reforma tributária 3S: Solidária, Saudável e Sustentável vem com o objetivo de ser uma alternativa às propostas de reforma tributária que estão tramitando no Congresso Nacional hoje e que visa basicamente trazer propostas que possam impactar a sociedade brasileira de forma positiva, reduzindo a desigualdade, promovendo a saúde da população e garantindo a promoção do meio ambiente.
Detalhando cada S, no primeiro S de Solidário, a nossa proposta - que é encabeçada pela Oxfam - visa justamente garantir a redistribuição de renda no Brasil. Tem como foco aumentar o tributo sobre a população de maior renda, sobre o patrimônio e de forma progressiva. De tal maneira que aqueles que têm mais possam contribuir mais com a sociedade brasileira e isso venha a reduzir mais a desigualdade social, a maior chaga que temos.
O segundo S, que nós da ACT Promoção da Saúde encabeçamos, é o S do Saudável. Visamos tributar produtos que causam males à saúde como tabaco, bebidas adoçadas, bebidas alcóolicas e agrotóxicos, de modo a aumentar o preço desses produtos e desincentivar o consumo. E, com isso, melhorar a saúde da população.
Também objetivamos que os subsídios a esses produtos sejam vedados. Não tem sentido o Estado brasileiro dar subsídios a produtos que fazem mal a saúde.
Por fim, o terceiro S, tem como objetivo aumentar o tributo sobre produtos que causam males ao meio ambiente. Por exemplo, a questão dos combustíveis fósseis. Do carbono, de maneira geral, que está sendo super debatida agora desde a Cúpula do Clima desde a semana passada, bem como vedar subsídios aos produtos que lançam carbono no ar ou que emitem combustíveis fósseis.
Focando na questão da saúde, a ideia, então, é que nenhum produto nocivo seja subsidiado, certo? Qual o cenário que temos hoje, em comparação a outros países?
O Brasil está bem atrasado nesse aspecto, especialmente em relação as bebidas adoçadas... começando por elas. O Brasil não só não tem uma tributação específica sobre bebidas adoçadas como ainda subsidia essas bebidas na Zona Franca de Manaus.
Para se ter uma ideia, existem variadas alíquotas mas temos mais de R$ 2 bilhões de incentivo via subsídios na Zona Franca, principalmente para a indústria do refrigerantes. Por um lado não temos tributos para esses produtos e do outro subsidiamos. Cometemos um erro duplo.
Vamos na contramão do que outros países fazem. Já são mais de 40 países no mundo, desde vizinhos nossos, como Chile e México, ou países da Europa, como Inglaterra, França e outras cidades norte-americanas, que possuem uma tributação específica sobre bebidas adoçadas justamente para desestimular o consumo desse produto.
Embora o Brasil seja uma referência internacional na política de controle do tabaco, já há algum tempo que não se aumenta os tributos sobre esse consumo. De 2011 a 2016, houve um avanço grande porque aumentou-se o preço dos produtos e foi possível identificar que nesse mesmo período diminuiu a prevalência de fumantes. Desde então, o Brasil não tem nenhuma política tributária agressiva sobre o tabaco. Aumenta a possibilidade da capacidade das pessoas de comprar o cigarro, já que está ficando mais barato.
Caso esses setores fossem mais tributados, mudaria, por exemplo, o combate à pandemia no sentido dos cofres públicos terem mais orçamentos e verba para a saúde?
Esse ponto é muito importante. Temos um dado recente do ministério da Saúde que mostra que sete em cada dez óbitos tinha algum fator de risco ou uma doença crônica não transmissível prévia. A pessoa ou tinha uma comorbidade como doença cardiovascular ou respiratória, ou fator de risco como tabagismo e obesidade. Fatores de riscos que agravam a covid-19.
Então, se lá atrás tivéssemos cuidado da saúde das pessoas e tentado prevenir doenças crônicas não transmissíveis, estaria ajudando muito mais agora. Teríamos a chance de menos pessoas morrendo. É fundamental lidar com essas doenças. Se tivessemos feito a prevenção antes estaríamos lidando com a pandemia de forma mais saudável, teriamos conseguido preservar vidas.
Por outro lado, se conseguíssemos fazer uma reforma tributária agora, ela poderia nos ajudar de imediato no enfrentamento à covid-19 porque conseguiríamos arrecadar recursos para o combatê-la.
Para se ter ideia, se criássemos um tributo de 20% sobre o preço final de bebidas adoçadas, conseguiríamos arrecadar R$ 4,7 bilhões. Um valor suficiente para comprar 80 milhões de vacinas.
Se fizéssemos com tabaco, agrotóxicos e bebidas alcoólicas, com certeza conseguiríamos garantir que o Estado, que está vivendo essa crise fiscal, tivesse uma folga e uma capacidade muito maior de atuar na pandemia. Preservando vidas e a economia.
O lobby do setor e posicionamento político são fatores que impedem o avanço dessa pauta? A proposta do Guedes não sinaliza ao menos ensaiar o enfrentamento a essas indústrias, certo?
Por um lado, sim. Temos indústrias poderosíssimas que sempre financiaram campanhas políticas no Brasil e alguns empresários que são, inclusive, parlamentares defendendo seus interesses no Congresso. É muito difícil fazer esse debate e levar as propostas adiante. Os interesses econômicos são muito poderosos e fazem frente a isso.
A própria discussão sobre imposto, por causa desses interesses, pega muito mal. É muito difícil falar sobre aumento de impostos mesmo quando eles podem ser benéficos para o grosso da população, reduzindo a desigualdade, melhorando a saúde e protegendo o meio ambiente.
Sobre as reformas tributárias, temos as PECs principais na Câmara e no Senado que já trazem uma noção do imposto seletivo, que é o imposto sobre o produto que faz mal. Mas não especificam qual o produto.
Estamos tentando garantir que se possa especificar quais produtos serão tributados e garantir a vinculação dos recursos arrecadados para a saúde e para o meio ambiente, para as políticas de prevenção.
Estamos defendendo, primeiro, que as empresas que são poderosas e tenham recursos façam a sua parte. Sejam chamadas a ser corresponsáveis pelo processo de promoção da saúde e defesa do meio ambiente no Brasil. E deem a sua contribuição para criarmos uma sociedade mais saudável e sustentável.
E mesmo quando falamos em tributação de pessoas, de lucros e dividendos, falamos de tributar os super ricos. O Brasil tributa muito pouco essas pessoas. O grosso da população, a esmagadora maioria, não terá nenhum tipo de impacto no bolso e vai ser beneficiada com a redução da desigualdade, aumento de verba para saúde e proteção do meio ambiente.
Como a proposta está sendo recebida por deputados e senadores?
Essa é uma proposta bastante nova. Lançamos em um seminário público na Câmara dos Deputados no início do mês de abril, foi um debate muito bem recebido, e agora começamos a levar aos parlamentares e partidos essa proposta em conjunto com as organizações parceiras.
É um retorno positivo. Acho que o Congresso e as assessorias parlamentares estão sentindo que as reformas que estão sendo propostas são tímidas e não mexem com interesses principais dos mais poderosos que devem ser mexidos, que deviam ser chamados a fazer sua contribuição.
Uma reforma que estava manca, por assim dizer, com focos grandes na simplificação mas sem a resposta que precisamos para termos uma sociedade mais justa, mais saudável e sustentável.
Por enquanto, a recepção tem sido muito boa. Existe a perspectiva do Congresso apresentar uma nova proposta na semana que vem, estamos bem atentos a isso, para ver se essa proposta terá um redirecionamento mais próximo do que defendemos como reforma tributária 3S.
Edição: Vinícius Segalla