Pandemia

CPI reconhece denúncias já feitas à exaustão, que marcaram caminho até 400 mil mortes

Percepção é de que o governo sabe onde errou e tenta se blindar das consequências das apurações no Congresso Nacional

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Protesto no Rio de Janeiro cobra o Governo Federal pelas mais de 400 mil mortes por covid-19 no país - Carl de Souza/AFP
O legislativo está falando que a ciência está certa. Por que não foi seguida?

A semana em que o Brasil ultrapassou a marca de 400 mil mortes por covid-19 começou com a divulgação de uma série de orientações do Palácio do Planalto aos ministérios para encarar a CPI da pandemia, em curso no Senado. Em um documento preparado pela Casa Civil, o Governo Federal elencou mais de vinte questionamentos e denúncias que poderiam vir dos senadores. 

Instalada na terça-feira (27), com objetivo formal de “investigar as ações e as omissões do governo federal na gestão da pandemia e também os repasses de recursos federais para os estados e municípios”, a Comissão Parlamentar de Inquérito tem uma relação ampla de assuntos a serem apurados, mas a lista do governo ajudou a incrementar a pauta.

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O  documento veio à tona na segunda-feira (26), no site de notícias Uol. Os ministérios tiveram prazo para responder aos questionamentos listados e enviar as considerações ao governo para compor a defesa da gestão. São denúncias que vem sendo feitas por movimentos populares, pesquisadores, profissionais da saúde e população em geral desde o início da pandemia.

Entre os assuntos estão o negacionismo, a falta de incentivo às medidas restritivas, a politização da compra de vacinas e a defesa de tratamentos ineficazes contra o coronavírus. Falhas na gestão também aparecem, como a ausência de campanhas de prevenção e de coordenação nacional para lidar com a crise sanitária.

No mesmo dia em que o documento produzido pela Casa Civil foi divulgado, a 2ª Vara da Justiça Federal de Brasília concedeu uma liminar que suspendia a indicação do senador Renan Calheiros (MDB) para a relatoria da CPI. O pedido era de autoria da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).

A tentativa de tirar o senador da função falhou, mas a deputada recorreu, sinal de que o governo não deve desistir do esforço de colocar os trabalhos da Comissão em descrédito. No dia em que a CPI começou os trabalhos, o presidente Jair Bolsonaro disse a apoiadores: "Eu não errei em nada".

Com a CPI, no entanto, as denúncias de descaso por parte da gestão federal tomam uma nova proporção. Em conversa com o podcast A covid-19 na Semana (ouça completo abaixo do título desta matéria), a médica Lucy Rivka, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que a Comissão reconhece apontamentos já feitos à exaustão.

"O legislativo está falando que todas as coisas que a ciência está defendendo estão certas. Por que não foi seguido? A grande pergunta da CPI é essa", aponta ela. "A CPI vai atuar nesse sentido de ser um reconhecimento institucional disso. Até porque, legalmente, a gente só pode fazer algo se a gente tiver o reconhecimento institucional", complementa.

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No primeiro dia de funcionamento, a Comissão Parlamentar de Inquérito recebeu pelo menos 173 requerimentos Na quinta-feira (29), os senadores aprovaram a convocação dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Eduardo Pazuello e do atual ministro, Marcelo Queiroga.

Se a gente sabe que o governo está tentando promover o contágio, a gente já sabe o porquê também.

Foi também na quinta que o Brasil chegou a chocante marca de 400 mil mortes pela covid-19 em velocidade recorde. Foram cerca de 10 meses para a marca de 200 milhões, mas depois disso o ritmo dos óbitos acelerou. Entre os patamares de 300 mil e 400 mil passaram-se apenas 36 dias.

Para Lucy Rivka, a resposta à principal pergunta da CPI já está dada. "Se a gente sabe que o governo está tentando promover o contágio, a gente já sabe o porquê também. Tem a ver com o modo como esse governo deseja estruturar o país. Na questão de direitos, de diversidade e de espaço para modos de organizar a sociedade que não seja nesse modelo de que quem está em cima sobe e quem está embaixo desce".

Edição: Rodrigo Chagas