Coluna

A esquerda deve defender um programa de esquerda

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Precisamos defender que a única saída para a crise é um governo de esquerda. Precisamos responder a pergunta: quem deve governar? - Fotos Públicas
Ser oportunista é dizer somente aquilo que as pessoas já estão dispostas a ouvir e concordar

"Ter esperança ensina a ter paciência"
Sabedoria popular portuguesa

 

Ser de esquerda não é fácil no Brasil. Nos últimos cinco anos ficou ainda pior. Estamos o tempo todo tendo que explicar por que somos “contra”. Contrariar o senso comum exige de nós muita paciência no trato, habilidade emocional e, sobretudo, uma imensa força de caráter ou resiliência.

Por isso, a esquerda deve ter coluna vertebral. Ser oportunista é dizer somente aquilo que as pessoas já estão dispostas a ouvir e concordar. Ser de esquerda exige mais do que isso. Ser de esquerda significa ter a lucidez de defender ideias que são justas porque correspondem ao que deve ser feito para ir à raiz dos problemas, mas que ainda não foi assimilado pela maioria dos trabalhadores e da juventude. Ser de esquerda é, na maioria das ocasiões, “marchar contra a corrente”.

A luta da esquerda se desenvolve, simultaneamente, em várias dimensões distintas. Temos o terreno das lutas pelas reivindicações imediatas que respondem às necessidades mais sentidas pelas amplas massas. Hoje, no Brasil, diante da calamidade sanitária, elas são a luta pela vacinação e por um auxílio emergencial.

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São elas que podem abrir a conversa com qualquer um, seja onde for. Nas camadas populares, por incrível que isso possa parecer, há quem seja contra ou pelo menos muito desconfiado das vacinas, pelas mais variadas e esdrúxulas razões. Há, também, aqueles que são contra o auxílio emergencial de R$600,00, e esgrimem argumentos surpreendentes. Mas há uma maioria a favor, embora não sejam poucos aqueles que só estão dispostos a abraçar estas bandeiras.

Acontece que há outras tarefas. No terreno da luta contra a pandemia é necessário a defesa das quarentenas. Não haverá como poupar vidas se, além das medidas emergenciais para conseguir a vacina no braço e comida na mesa, a esquerda não tiver a coragem da defesa de lockdown.

A escala do contágio permanece muito elevada, e o cataclismo não pode ser contido, se não for conquistada a interrupção da circulação por algumas semanas. Acontece que há poderosas frações burguesas contra as quarentenas, e elas se apoiam na mobilização da maioria da pequena-burguesia proprietária. Mas não há direitos absolutos. Todos os direitos são limitados por outros direitos. Os interesses de maioria devem prevalecer sobre os de uma minoria.    

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Mas há ainda outras tarefas. No âmbito político, nada é mais importante que a luta pelo Fora Bolsonaro, um terreno de discussão mais elevado porque exige a disposição de se unir em um movimento pela derrubada do governo.

Entre aqueles que concordarão com a luta pela vacina e pelo auxílio emergencial, ou até com a necessidade de lockdown, não serão todos que concordarão que é necessário derrotar Bolsonaro, mas não podemos ceder. Não devemos nos calar.

Bolsonaro é o responsável por uma estratégia genocida. Defendeu durante um ano inteirinho que o contágio de massas era o caminho mais rápido para a imunidade coletiva, e que as mortes dos vulneráveis seria inevitável. A média mundial é que algo em trono de 3% daqueles que contraem o vírus morrem. Na última quinta-feira (29, superamos os 400.000 óbitos.

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A conversa até aqui muitas vezes não é fácil. Mas fica mais difícil. Temos mais tarefas. Precisamos defender que a única saída para a crise é um governo de esquerda. Precisamos responder a pergunta: quem deve governar? De novo, encontraremos dificuldades. Mesmo entre aqueles que concordaram conosco até na defesa do Fora Bolsonaro, não será simples a argumentação da necessidade de um governo de esquerda.

Alguns porque estão envenenados pela ideia de que a esquerda é corrupta, outros porque foram seduzidos pela promessa da melhoria de vida pelo “empreendedorismo” e sonham em ser patrões, mesmo que “patrões de si mesmos” e, finalmente, porque há os que nos dirão que socialismo “fracassou”.

A conversa já foi longa, mas "agora é que são elas”. Temos tarefas ainda mais difíceis. Porque não basta dizer que queremos um governo de esquerda. Devemos ter a honestidade de dizer o que queremos de um governo de esquerda.

Queremos um governo de esquerda que lute contra as injustiças e a desigualdade social. Isso exige a revogação da lei do Teto dos Gastos, da contrarreforma trabalhista, da contrarreforma da previdência. Queremos a suspensão da tramitação parlamentar da contrarreforma administrativa. Queremos a valorização real do salário mínimo.

Queremos a garantia das condições materiais de vida de toda a população. Para isso, é fundamental a adoção de um plano de obras públicas sociais – construção de creches, hospitais, escolas, estrutura de saneamento básico, etc. – para gerar milhões de empregos.

Queremos uma reforma tributária com a diminuição de impostos para a classe trabalhadora e os mais pobres e aumento da carga tributária para os mais ricos; a redução da taxação sobre o consumo e ampliação da taxação sobre o patrimônio, com destaque para a taxação das grandes fortunas e dos lucros das multinacionais.

Queremos a aprovação da Lei de Responsabilidade Social, que submeta a disciplina fiscal às metas de desenvolvimento social; o financiamento público a taxas de juros reduzidas para os pequenos negócios nas cidades e para a pequena produção agrícola no campo; a auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes credores, com o objetivo de reverter recursos para o financiamento da educação e saúde públicas; Petrobras, Correios, Eletrobrás e demais empresas públicas devem ser 100% estatais.

Queremos a desmilitarização das Polícias Militares, pela legalização do aborto, pelo combate a todas as formas de discriminação no mercado de trabalho e pela adoção de medidas efetivas de combate à violência racista, misógina e LGBTfóbica. O trabalho doméstico deve ser crescentemente socializado, por meio da abertura de lavanderias e restaurantes populares, reduzindo o peso das jornadas duplas e triplas que recaem sobre as mulheres.

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Queremos a garantia do direito de moradia e da segurança alimentar, com a implementação do aluguel social e desapropriação dos imóveis abandonados e com dívidas com o Estado; reforma agrária com a desapropriação de latifúndios, e fomento à produção agroecológica de alimentos saudáveis e baratos para a população; política de rígida proteção das terras indígenas, quilombolas e de proteção da biodiversidade nacional, punindo duramente o agronegócio predador e o garimpo, a mineração e as madeireiras ilegais.

Queremos a organização de espaços permanentes de participação e deliberação de políticas públicas por representações dos movimentos sociais, como os movimentos negro, feminista, sindical, ambientalista, indígena, entre outros. Queremos a revogação das leis antiterrorismo e de segurança nacional.

Queremos a responsabilização dos militares que cometeram crimes na ditadura e uma reforma geral das Forças Armadas, com a mudança do seu comando, estrutura e doutrina, colocando-as a serviço da soberania nacional e dos interesses da maioria trabalhadora do povo. Queremos a democratização da mídia, com a quebra do monopólio das grandes redes.

Queremos um governo de esquerda com um programa de esquerda.

 

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Poliana Dallabrida