Negligência

Últimas notícias da vacina: Anvisa recusa Sputnik V e estados vão disputar na Justiça

"Iremos a todas as instâncias possíveis para que as vacinas que adquirimos cheguem", afirmou o governador do Ceará

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O Consórcio Nordeste, que comprou milhões de doses da Sputnik V, é formado pelos nove estados da região - Roberta Aline

A negativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o pedido de importação do imunizante russo Sputnik V, desenvolvido pelo Instituto Gamaleya, bateu de frente com a compra de 65 milhões de doses da vacina feita pelo Consórcio Nordeste, formado pelos nove estados da região. 

Já no dia 12 de abril, diante da demora da agência em analisar os pedidos referentes ao imunizante, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), que integra o consórcio, informou que entraria com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a liberação das doses.

Nas redes sociais, o governador afirmou que "a Sputnik V já é utilizada em cerca de 60 países, com eficácia de 91,6%".

"Iremos a todas as instâncias possíveis para que as vacinas que adquirimos cheguem o mais rápido possível para imunizar nossa população", ressaltou Santana.

A compra também foi autorizada pela Assembleia Legislativa do Ceará e pelo STF, em caso de descumprimento do Plano Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde.

Com a negativa da Anvisa, não só o Ceará e outros estados da região devem ir à Justiça para garantir o recebimento das doses. O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central (BrC), formado pelos governos de Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins, também avalia seguir com um caminho judicial.

O secretário Executivo do grupo e vice-governador do DF, Paco Britto, afirmou que “no caso da autorização do STF, permitindo judicialmente essa importação, a decisão será tomada em conjunto pelos sete governadores”.

Além dos consórcios, o próprio governo federal comprou 10 milhões de doses do imunizante. Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, “o que resta hoje é vencer os aspectos regulatórios. Uma vez autorizada, será muito bem vinda”.

O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, já afirmou mais de uma vez que não permitirá o acesso a imunizantes sem a devida comprovação científica que garanta  segurança, eficácia e qualidade.

“A Anvisa possui reconhecimento diante da comunidade internacional e não irá abdicar de sua missão. Somos solidários à dor, diante da perda de mais de 390 mil pessoas no Brasil. Jamais postergamos o movimento célere de tudo que deve ser executado para permitir o acesso a soluções preventivas à doença. É o que fizemos todos esses meses”, disse Torres.

Recusa a vacinas

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia nem bem começou e já é de conhecimento dos senadores da comissão que o governo de Jair Bolsonaro recusou onze ofertas formais de empresas farmacêuticas de fornecimento de vacinas contra o novo coronavírus. 

Conforme divulgou a coluna do Octavio Guedes no G1, o conhecimento acerca das negativas deve aumentar, uma vez que um dos objetivos da CPI é apurar quando e quantas vezes o governo Bolsonaro recusou tais ofertas. 

Das 11 negativas, seis foram dadas ao Instituto Butantan, referente ao imunizante CoronaVac, produzido em parceria com o laboratório farmacêutico chinês Sinovac.

O diretor do órgão, Dimas Covas, enviou três ofícios ao Ministério da Saúde oferecendo a vacina, datados de 30 de julho, de 18 de agosto e 7 de outubro do ano passado, sendo este último entregue pessoalmente ao então chefe da pasta, o general Eduardo Pazuello. 

Mesmo sem resposta aos três ofícios, o Instituto Butantan ainda realizou três videoconferências com funcionários do Ministério a fim de acelerar a oferta. Novamente, nenhum passo foi dado. 

::Sete vezes em que Bolsonaro e seus aliados contribuíram para a falta de vacinas::

Em agosto de 2020, foi dada a primeira das três negativas ao laboratório estadunidense Pfizer. Somente nesta ocasião, o Brasil perdeu 70 milhões de doses que seriam entregues já em dezembro do ano passado. 

Meses depois, no dia 23 de janeiro, o governo federal divulgou uma nota criticando publicamente o laboratório farmacêutico Pfizer por cláusulas impostas para comercialização do imunizante.

Uma das medidas autorizava o governo brasileiro a assumir responsabilidade sobre possíveis efeitos adversos causados pelo imunizante – as cláusulas que Bolsonaro considera “abusivas” estão previstas em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se aplicam a imunizantes aplicados no Brasil há décadas.

Além dos EUA, a União Europeia, Japão, Canadá, Israel, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia, Panamá e todos os demais países que compraram o imunizante aceitaram essas exigências.

“Causaria frustração em todos os brasileiros [comprar as 70 milhões de doses oferecidas pela Pfizer em agosto], pois teríamos (...) que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, argumentou o Ministério da Saúde, em janeiro.

Na época, Bolsonaro afirmou que "na Pfizer, está bem claro no contrato: 'nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso".

Em entrevista recente à revista Veja, o ex-secretário de comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, afirmou que “os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos 10 dólares. (...) Infelizmente, as coisas travavam no Ministério da Saúde”.

Por fim, segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento da CPI, foram duas as vezes que o governo Bolsonaro se recusou a participar do consórcio da Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS) que aglutina mais de 170 países e permite o acesso a uma cartela de imunizantes.

De acordo com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, o Brasil só entrou no consórcio a partir do terceiro convite, para a aquisição de 212 milhões de doses.

“Adenovírus replicantes”

Todos os cinco diretores da agência votaram contra a aquisição, seguindo o voto do relator Alex Campos Machado e baseando-se na apresentação feita pelo gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, Gustavo Mendes. Segundo este último, o imunizante apresenta um risco por conter "adenovírus replicantes". 

Em suas palavras, isso significa que o vírus utilizado para carregar o material genético do coronavírus para as células humanas -- o que estimula a criação de anticorpos, se reproduz -- o que não deveria ocorrer. “Esse procedimento está em desacordo com o desenvolvimento de qualquer vacina de vetor viral", afirmou.

De acordo com o especialista, os documentos apresentados pela farmacêutica União Química, que solicitou a importação e entrou com pedido de autorização para uso emergencial da vacina, e o Instituto Gamaleya, também não responderam a questões “cruciais”. 

Entre elas: “Os vírus replicantes podem permanecer por quanto tempo no organismo humano? Em quais órgãos e tecidos podem ser encontrados? Podem causar algum dano em tecidos e órgãos? Dependente da quantidade? Esses vírus replicantes podem ser transmitidos a outras pessoas? O que significa em termos de segurança para quem receber a vacina? Risco aumentado de eventos adversos? Tromboembólicos? Outros?”

Vacinação e pandemia no Brasil 

Até às 20h desta segunda-feira (26), nas últimas 24 horas, 29.554.723 pessoas receberam a primeira dose de vacina contra a covid-19, o que representa 13,96% da população brasileira, de acordo com o último balanço do consórcio de veículos de imprensa.

Já a segunda dose foi aplicada em 13.127.599 pessoas, ou seja, 6,20% da população do país. No total, 42.682.322 doses foram aplicadas.

Paralelamente, o Brasil atinge níveis estáveis de óbitos e casos diários por covid-19, mas em níveis extremamente elevados. Para se ter uma ideia, abril é o mês com mais mortes desde o início da pandemia. Dos 391.936 falecimentos, 17% ocorreram em abril, que sequer acabou: cerca de 69 mil vítimas.

Nas últimas 24 horas até às 18h desta segunda-feira, o país registrou 1.139 novas mortes, segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Também foram contabilizados 28.636 novos infectados, totalizando 14.369.423.

Entre os especialistas, há o receio de que o país chegue a 600 mil mortes até a metade de 2021 se seguir nos mesmos patamares diários. Desde o primeiro óbito registrado no país, no dia 12 de março, até o dia 31 de dezembro de 2020, o Brasil contabilizou 194.949 mortes. Neste ano, já são 196.987.

Edição: Leandro Melito