Falsas promessas

Sob a marca de desmatamento recorde, Bolsonaro se apresenta à Cúpula do Clima

Presidente brasileiro participa nesta quinta (22) de evento climático e pede ajuda financeira a nações estrangeiras

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |
Bolsonaro participa da Cúpula de Líderes sobre o Clima, evento organizado por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos - Nelson Almeida/AFP

Em terras brasileiras, onde o que se planta dá, estamos colhendo os frutos das polêmicas cultivadas pela gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) na área de meio ambiente. Confiando no ministro Ricardo Salles para tocar a pasta, a atual administração lidera a lista de desmatamento mundial, de acordo com o relatório anual da Global Forest Watch, divulgado em março.

É com esse desonroso título que Bolsonaro vai representar o Brasil na Cúpula de Líderes sobre o Clima, evento organizado por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

O democrata, que chegou à Casa Branca com promessas de avanços na questão climática, vai se encontrar virtualmente, entre segunda-feira (22) e terça-feira (23) com 40 lideranças para discutir pautas ambientais.

O evento vai servir como prévia para a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), programada para ocorrer em novembro na cidade de Glasgow, na Escócia. 

Carta

Ao aceitar o convite para participar da cerimônia organizada por Biden, Bolsonaro enviou uma carta ao democrata, onde se compromete a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, contrariando muito de sua postura até agora.

"Bolsonaro não é tímido ao falar abertamente sobre seu interesse em explorar as florestas brasileiras, tanto que os números do desmatamento estão subindo", disse ao Brasil de Fato Robert Walker, professor do Centro de Estudos Latino-americano do Departamento de Geografia da Universidade da Flórida. 

O pesquisador confirma ainda que não leva a sério a promessa do chefe de Estado brasileiro. "Não sei o que o leva a assumir esse compromisso, porque até agora ele tem se aliado a ruralistas e grupos interessados na exploração da Amazônia. Seria uma forma de buscar cobertura política agora que Lula voltou ao jogo democrático? Não sei", afirmou.

Nessa mesma carta, Bolsonaro deixou nas entrelinhas um pedido de ajuda financeira.

"Ao sublinhar a ambição das metas que assumimos, vejo-me na contingência de salientar, uma vez mais, a necessidade de obter o adequado apoio da comunidade internacional, na escala, volume e velocidade compatíveis com a magnitude e a urgência dos desafios a serem enfrentados", escreveu o presidente. 

Esse posicionamento de "cobrar" ajuda financeira externa não é nenhuma novidade no governo atual. Em entrevista à Agência France Press, dias atrás, Ricardo Salles, responsável pela pasta, disse que com a injeção de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões) da comunidade internacional, o Brasil seria capaz diminuir o desmatamento ilegal da Floresta Amazônica em até 40%.

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Fundo Amazônia

Vale lembrar, porém, que diversas nações já colaboram economicamente com o Fundo Amazônia, uma iniciativa criada em 2008 para concentrar as doações de países e empresas com objetivo de fomentar projetos que atuam na preservação e fiscalização do bioma. 

Segundo o site do Fundo Amazônia, 102 projetos foram apoiados pelos US$ 1,8 trilhão arrecadados pela organização. 

Em 2019, o fundo ganhou manchetes por ver seus principais colaboradores, Alemanha e Noruega, congelarem as doações. A decisão foi uma resposta à suspensão da diretoria e do comitê técnico do Fundo Amazônia, promovida pela gestão Bolsonaro-Salles.

Para Robert Walker, a busca por recursos financeiros para cuidar da integridade amazônica é legítima não apenas no Brasil, mas nos países vizinhos.

"Não é justo que Brasil, Peru, Bolívia e outros países tenham de arcar sozinhos com o custo da preservação das áreas verdes, enquanto outros países se beneficiam do sequestro de carbono e outras vantagens promovidas pelas florestas", declarou.

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Mesmo validando a insistência brasileira pelo acesso a recursos econômicos que mantenham a Amazônia intacta, o professor tem dúvidas em relação a quem faz o pedido.

"Deveríamos confiar que o Bolsonaro vai usar os recursos para o propósito que diz? Eu sou cético", diz. E justifica o pé atrás: "O truque é que o presidente brasileiro não diz que vai acabar com o desmatamento, mas com o desmatamento ilegal, e há uma grande diferença nisso. Nos últimos dois anos, ele tem mudado a lei para dar legalidade aos desmatamentos. Assim é fácil dizer que você cumpriu a sua meta". 

Essa "maquiagem" utilizada pelo governo não tem surtido efeito nem dentro de casa. Em reunião com empresários locais, na terça-feira (20), Ricardo Salles foi duramente criticado justamente por discursar como se o Brasil andasse muito bem nas questões climáticas.

No exterior, a imagem do país segue intrinsecamente atrelada à sua postura ambiental. "É uma benção e uma maldição ter 65% da Amazônia no quintal de casa, porque isso faz com que o mundo volte seus olhos pra cá [...]. O Brasil pode conseguir a sociedade mais igualitária do mundo, pode até acabar com a fome ou com a pobreza, mas se vocês não cuidarem das florestas, serão sempre criticados.

 

Edição: Camila Maciel