Uma apostila didática distribuída pela Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) do Rio de Janeiro para alunos de Ensino Médio, por meio do aplicativo Applique-se, com conteúdo sobre "orientações de Educação Física", afirma que "a homossexualidade também pode ser um fator de risco para um transtorno alimentar, devido à preocupação com estética".
A denúncia foi feita nas redes sociais, na última quinta-feira (15), pela página do Facebook "Frente contra o ensino remoto", que reúne professores do estado do Rio. Logo após a repercussão negativa, a Seeduc-RJ retirou o documento do aplicativo, que vem sendo utilizado como plataforma de ensino para alunos da rede estadual durante a pandemia da covid-19.
Contudo, o material foi baixado pelos alunos e a Seeduc também distribuiu as apostilas em formato impresso.
Na postagem, o grupo de professores manifestou repúdio à política educacional do governador do estado, Cláudio Castro (PSC), pela oferta de materiais de uso obrigatório para as comunidades escolares de "péssima qualidade, recheados de discriminações, imprecisões científicas, 'equívocos'".
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"Somados à dificuldade de comunicação efetiva dos professores de cada turma com seus alunos, agravam ainda mais o caráter da aprendizagem veiculada para as nossas juventudes; seja com a tentativa de garantir controle sobre os conteúdos ensinados por meio remoto aos estudantes, usurpando por completo o direito a autonomia pedagógica das escolas e dos docentes", afirma nota escrita pelo grupo.
A página informou que já denunciou imprecisões e distorções nas apostilas de História e um conteúdo na apostila de Geografia, distribuídas para o sétimo ano, na qual se afirmava que não há racismo no Brasil. "Um resgate às teses de democracia racial em nosso país tanto reivindicada pelos setores mais autoritários e conservadores da nossa sociedade", criticam os professores.
"Homossexualismo"
Nas fontes bibliográficas ao final da apostila, há o link de onde foi retirada a refência que relaciona o transtorno alimentar à homossexualidade. Ele é de autoria de Ester Zatyrko Schomer, psicóloga de São Paulo que possui artigos sobre o tema e nos quais ela utiliza o termo "homossexualismo".
O sufixo "ismo" designa algum tipo de patologia, por isso a palavra foi abandonada e se prefere "homossexualidade". A ideia de homossexualidade como distúrbio foi excluída da lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1991.
O Brasil de Fato questionou a Seeduc sobre o teor do material, qual foi o procedimento ao tomar conhecimento do texto da apostila e se houve revisão do material didático antes que ele chegasse aos alunos da rede estadual fluminense. Mas até o fechamento desta reportagem, a Secretaria não havia se manifestado sobre o caso.
Reações
Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Flávio Serafini (Psol) disse que já cobrou da Seeduc esclarecimentos sobre a apostila distribuída pelo Governo do Estado aos alunos da rede pública de ensino.
"É um material com um erro grave que apresenta viés discriminatório sobre homossexualidade, uma perspectiva preconceituosa que alimenta a desinformação. Nunca vimos nenhum tipo de estudo que vincule preocupação com estética à homossexualidade. Solicitamos à Seeduc a correção do material e que tome mais cuidado com o que é disponibilizado", disse Flávio Serafini.
Já o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe) lembrou que os materiais didáticos devem seguir as diretrizes das bases nacionais curriculares e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), que passa por um crivo mais rigoroso e técnico. Para o coordenador geral do Sepe-RJ, Gustavo Miranda, o governo estadual ainda tenta vincular os erros a professores que confeccionam os livros.
"Esse tipo de conteúdo vem sendo feito à revelia de grande parte da categoria e preocupa o sindicato na medida em que a gente defende a autonomia do profissional de educação. Essa autonomia se vê muitas vezes contestada pela imposição desse tipo de material. A Seeduc traz o argumento de que são os professores da rede que elaboram o material. Esse argumento é falso, porque a rede é complexa e ampla", explicou o coordenador geral do Sepe.
Gustavo disse, ainda, que o Sepe repudia essa orientação dada ao ensino pela Seeduc e disse que o Sindicato defende a diversidade. "Não apenas somos contra o preconceito contido no material, como sempre defendemos que a militância use os espaços para fazer a defesa de uma diversidade cultural e sexual".
Edição: Mariana Pitasse