É preciso entender a lógica operacional das milicias paramilitares que gestaram o bolsonarismo
Na próxima quinta-feira (22), acontecerá a Cúpula do Clima, convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden. O evento movimenta a diplomacia internacional.
Grandes líderes voltam a defender um mundo menos predatório. Exceto o Brasil, que tomou o rumo contrário. Por aqui, somos o incrível país onde um ministro de Estado de Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende o crime organizado, conforme acusação da Polícia Federal.
Em viagem à região, o ministro defendeu as quadrilhas que forjam guias florestais e exportam madeira retirada de forma criminosa, em esquemas de corrupção envolvendo servidores estaduais.
Depois, de volta à Brasília, operou para derrubar o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, responsável por uma apreensão histórica de R$ 55 milhões em madeira ilegal.
O delegado havia denunciado Salles ao STF, acusando-o de integrar uma organização criminosa com madeireiros e exportadores.
Não é todo dia que um grupo criminoso derruba um superintendente da Polícia Federal. Para compreender a gravidade da questão, é preciso entender a lógica operacional das milicias paramilitares que gestaram o bolsonarismo:
(1) venda de proteção ao crime organizado; (2) conquista de postos nos poderes executivo, legislativo e judiciário e (3) corrosão gradual e sistêmica do Estado Democrático de Direito, com o intuindo de fortalecer grupos criminosos e promover a desordem e o medo.
Essa lógica, agora explícita na Amazônia, foi aperfeiçoada no Rio de Janeiro, onde as milicias começaram a ganhar força no começo dos anos 1990.
Coincidentemente, na mesma época em que surgiu um importante garoto propaganda das forças paramilitares, o jovem capitão expulso do Exército, Jair Bolsonaro, eleito para o seu primeiro mandato como deputado federal.
O crime organizado nunca esteve tão forte na Amazônia. A queda do superintendente mostra que até a Polícia Federal sucumbe diante dos jogos de poder da milícia bolsonarista.
Nos últimos anos, as milícias passaram a ter especial atenção à região Amazônica. Garimpos clandestinos e extração ilegal de madeira são negócios bastante rentáveis, principalmente quando protegidos por órgãos de Estado que deveriam coibi-los.
Além disso, há um interesse crescente pelas rotas de tráfico que saem da Colômbia, a maior refinadora de cocaína do mundo.
Do lado de lá da fronteira, o negócio é quase todo conduzido por milicias paramilitares. Das mais de mil toneladas de cocaína produzidas anualmente pela Colômbia, quase tudo passa por rotas fluviais ou pistas clandestinas localizadas em território brasileiro.
O tripé do crime organizado na Amazônia é formado pela retirada predatória de madeira, garimpos ilegais e tráfico internacional de cocaína. Atividades fortalecidas pela lógica miliciana de deteriorar instituições e proteger criminosos.
A entrada das milícias na Amazônia consta em relatórios internacionais da Human Rights Watch, que menciona fontes do próprio governo brasileiro, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
E a cúpula do clima?
Um tema, com certeza, não será abordado na Cúpula: a responsabilidade de empresas norte-americanas pelo desmatamento brasileiro.
No mundo do agro, Cargill, Bunge e ADM são as principais financiadoras da devastação, ao comprar commodities de fazendas que devastam sem nenhum critério ambiental. Empresas protegidas e apoiadas pelo governo brasileiro.
Apesar do papel relevante das indústrias multinacionais na devastação, a cúpula será um convescote de promessas, das quais algumas poucas serão cumpridas, como sempre acontece em eventos dessa natureza.
O Brasil vai prometer estancar o desmatamento até 2030, desde que receba um aporte internacional de dinheiro. Aporte que vinha sendo feito, regularmente, por Noruega e Alemanha, que desistiram após o governo Bolsonaro extinguir os comitês gestores do Fundo Amazônia.
A pressão de Joe Biden e da China, por cadeias produtivas menos predatórias, certamente resultará, no futuro, em uma economia de menos emissões, mas não no Brasil, sob a égide das milicias que corroem o Estado brasileiro e tomam conta da Amazônia.
O vaticínio de Salles, na fatídica reunião ministerial que teve os áudios vazados, finalmente se realiza: estão abertas as porteiras
Os pesos e contrapesos que equilibram proteção ambiental e interesses econômicos nunca estiveram tão desregulados.
A boa notícia é que a pressão de ambientalistas e defensores dos direitos humanos evitou um acordo de portas fechadas, entre Brasil e Estados Unidos, que vinha sendo costurado há algumas semanas.
Nos últimos dias, o quadro se reverteu e agora o governo norte-americano pede que populações indígenas e sociedade civil sejam ouvidas pelo governo brasileiro, o que dificilmente vai acontecer ou resultar em ações concretas, pois foge da lógica do atual mandatário.
O crime organizado nunca esteve tão forte na Amazônia. A queda do superintendente mostra que até a Polícia Federal sucumbe diante dos jogos de poder da milícia bolsonarista.
Ibama e ICMBio já estão neutralizados. Parece que também a Polícia Federal. O vaticínio de Salles, na fatídica reunião ministerial que teve os áudios vazados, finalmente se realiza: estão abertas as porteiras.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito