Quem sabe um dia ainda não veremos a atocrítica em relação ao golpe de 2016?
No editorial do jornal Folha de S. Paulo de sábado (3) com o título Mulheres para trás: baixa participação feminina na política derruba o Brasil em ranking de igualdade de gênero, o periódico procura enfrentar a questão das desigualdades de gênero no Brasil.
Reconhece acertadamente os retrocessos registrados em nosso país quanto à participação das mulheres nos espaços de poder, sobretudo na política. Reconhece, da mesma forma, os retrocessos institucionais quanto à busca da equidade entre os gêneros.
Reconhece finalmente que tais retrocessos ocorreram principalmente nos governos que sucederam Dilma Rousseff (PT), ou seja, nas gestões de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido).
Apesar de citar os inaceitáveis ataques misóginos sofridos pela presidenta Dilma, o editorial peca profundamente quando ele próprio procura apresentar justificativas e razões para tais agressões.
Como se fosse possível justificar qualquer forma de violência e de agressão contra quem quer que seja. Não! Não é possível!
O jornal, voluntariamente ou não, acabou por repetir aquela velha e lamentável máxima que prevalece nas sociedades machistas, onde a culpa é sempre da mulher, dizem “mas, o que ela estava fazendo sozinha na rua tão tarde da noite“ ou “quem mandou usar aquela saia curta”.
O periódico, de uma outra forma, faz o mesmo quando “justifica” que foi por conta da forma de governar de Dilma, por conta de sua política econômica, à que se refere como uma “desastrosa condução econômica” (opinião da qual discordo profundamente) que Dilma sofreu os inúmeros e inaceitáveis ataques e violências.
Tratavam a presidenta como uma pessoa “desequilibrada”. Um homem jamais sofrera ou sofrerá esse tipo de agressão.
Não! Não foi por sua forma de governar que a presidenta sofreu tantos ataques, foi pelo fato de ser mulher. Somente por ser mulher.
Quem não lembra das tantas capas das revistas de circulação nacional durante o golpe? Que estampavam as piores fotos de Dilma com os títulos mais ofensivos, como "As explosões nervosas da presidente" ou “Uma presidente fora de si”, entre tantos outros.
Tratavam a presidenta como uma pessoa “desequilibrada”. Um homem jamais sofrera ou sofrerá esse tipo de agressão, pelo contrário, sempre foram e serão vinculados à força, à coragem, ao poder e à determinação.
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Quanto aos retrocessos impostos às mulheres no Brasil do pós-golpe, precisamos lembrar as duras críticas feitas, inclusive pelos meios de comunicação, tanto à Lula, quanto à Dilma, em relação às políticas afirmativas adotadas em seus governos, políticas que seguiam inclusive diretrizes de organismos internacionais, e que garantiram às negras e aos negros no Brasil ingressarem nas universidades, às mulheres acessarem mais direitos, incluindo o título da sua própria casa, aos ribeirinhos da Amazônia terem acesso à energia elétrica e aos municípios isolados contarem com universidades públicas.
Criticavam as cotas raciais e de gênero principalmente, e faziam, como fazem hoje, apologia à “meritocracia“.
O editorial, portanto, que se propôs a analisar dados concretos e objetivos, que retratam os retrocessos do Brasil diante do mundo, nas questões de gênero e no maior empobrecimento das mulheres, deveria, para ser honesto consigo mesmo e com seus eleitores, fazer como fez Becky S. Korich, em artigo publicado na última sexta feira, dia 02, no próprio jornal Folha de São Paulo, cujo título era “Mea-culpa” e onde a autora faz uma profunda auto crítica sobre o voto em Bolsonaro nas eleições de 2018!
Quem sabe um dia ainda não veremos a mesma autocrítica por parte dos meios de comunicação? Inclusive em relação ao golpe de 2016? Quem sabe?
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito