Neste 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, centenas de organizações populares ao redor do mundo publicam um manifesto internacional em defesa da vida. Depois de mais de um ano desde o início da maior pandemia deste século, a média mundial de mortes pela covid-19 continua sendo de cerca de 9 mil pessoas por dia.
Para marcar a data e fazer um apelo global, a Assembleia Internacional dos Povos (AIP), que articula centenas de movimentos populares e partidos políticos nos cinco continentes, organiza uma Jornada de Luta Anti-imperialista do dia 7 ao 11 de abril, para exigir que a vacina contra o novo coronavírus seja considerada um bem público, entre outros pontos.
No manifesto, a rede internacionalista declara que "a pandemia da Covid-19 evidenciou em todo o mundo as contradições do capitalismo, que coloca o lucro acima da vida das pessoas".
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Diante disso, no aspecto econômico, as organizações exigem que os governos garantam renda básica universal para que os trabalhadores possam cumprir com as medidas sanitárias – como isolamento social – e linhas de crédito para que as pequenas e médias empresas não declarem falência. No aspecto geopolítico, defendem que sejam suspensas todas as cobranças de dívida externa dos países e os conflitos bélicos.
“Nós estamos numa etapa da luta social que chamamos de luta ideológica. A ação da jornada é para conscientizar o povo sobre os seus direitos e para que a sociedade, nas suas diferentes formas de organização, pressione os seus governos”, defende João Pedro Stedile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), que também faz parte da rede internacional da AIP.
No Brasil e em outros países latino-americanos, estão marcados atos simbólicos em várias capitais para o dia de lutas. Já na Europa, a tarefa da AIP é coletar 1 milhão de assinaturas para exigir que o Parlamento Europeu discuta a proposta de tornar a vacina um bem público – algo defendido pela rede internacionalista e pela própria Organização das Nações Unidas (ONU).
Concentração de poder
Em todo o planeta, aproximadamente 664 milhões de pessoas foram vacinadas contra a covid-19, no entanto, a grande maioria está nos Estados Unidos (165 milhões), China (140 milhões) e União Europeia (79,8 milhões), segundo levantamento do site Nosso Mundo em Dados.
As Nações Unidas reconhecem que as maiores potências econômicas mundiais concentram 75% dos imunizantes já produzidos, enquanto cerca de 130 nações não puderam sequer começar a vacinação.
“Os países do capitalismo mais desenvolvido estão concentrando e fazendo negócios com as vacinas. Mais de 130 países não começaram a vacinação simplesmente porque não fazem parte deste negócio”, aponta o presidente do Partido Comunista da Espanha, José Luis Centella Gómez.
Europa e América Latina vivem novas ondas de contágios devido ao surgimento de novas variantes do vírus. No Brasil, apareceram as cepas P1 e P2, mais contagiosas e agressivas. Já no Reino Unido, foi detectada pela primeira vez a variante VUI, que pode ser de 40% a 70% mais transmissível e já se dispersou pela Alemanha, Espanha, Itália, Dinamarca e até na Austrália.
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No dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) completa 73 anos de história, as organizações sociais da Europa se manifestam nas sedes das instituições da União Europeia e da ONU para exigir o acesso equitativo aos imunizantes.
“As Nações Unidas que, em outras ocasiões, foi muito beligerante, agora não foi capaz de alçar a voz contra os poderosos. Isso nos faz exigir novamente uma refundação do organismo e que a ONU cumpra com sua carta fundacional. Ao invés de ser um elemento de pressão, não exercem nenhum papel”, critica Centella.
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A criação do consórcio Covax, promovido pela OMS, pela Aliança para a Vacinação (Gavi) e pela Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (Cepi), que promete distribuir 2 bilhões de doses até o final de 2021, não foi suficiente para promover o acesso democrático às vacinas. Por isso a demanda atual é pela quebra das patentes das vacinas contra a covid-19.
A proposta é defendida por Índia e África do Sul, na Organização Mundial do Comércio (OMC), desde outubro do ano passado, e permitiria que a fórmula dos imunizantes fosse livremente difundida, proporcionando a descentralização e a aceleração de sua produção. Apesar de que 100 países apoiam a medida, Estados Unidos, União Europeia e Brasil se opuseram a ela.
“A forma mais rápida de produzir a vacina nos países pobres é com a quebra de patente. Daí os laboratórios que já existem nesses países, como é o caso do Brasil, passariam a produzir sem preocupação dos royalties e de licenças”, explica João Pedro Stedile.
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Enquanto a produção das vacinas permanece sendo regida pela lógica do mercado, as maiores farmacêuticas enriquecem. De acordo com levantamento da revista Forbes, durante a pandemia surgiram 40 novos bilionários do setor da saúde, entre eles estão os diretores da Moderna e da Biontech.
Além de impedir a liberação da patente das vacinas, Estados Unidos e União Europeia já adquiram, em contratos prévios, o dobro ou o triplo de doses necessárias para imunizar toda a sua população. A reserva de mercado tem sido constantemente denunciada nas instâncias da ONU pelos representantes de México, Venezuela, Rússia e China.
Desde o início da pandemia, o governo chinês defendeu que a vacina fosse declarada um bem universal. A China é o maior exportador de vacinas do mundo, enviando cerca de 500 milhões de doses a mais de 40 países.
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Para o presidente do Partido Comunista espanhol, a raiz do problema está na própria estrutura do sistema político-econômico atual.
“Queremos deixar evidente como o capitalismo não forma parte da solução de nenhum problema, mas ele é o problema. A humanidade não está livre de sofrer uma pandemia, um desastre natural, mas deve ter os mecanismos para resolvê-lo. E hoje temos os recursos naturais, médicos, só que estão na mão de poucos. Então está cada vez mais evidente que acabamos com o capitalismo ou ele acaba com a humanidade”, conclui José Luis Centella.
Edição: Vivian Fernandes