Não por acaso, nesta quarta-feira (24), dia em que o presidente Jair Bolsonaro, sob pressão, foi levado a se reunir com os chefes dos poderes Legislativo e Judiciário para debater ações de combate à pandemia, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, finalmente assumiu, depois de ter sido empossado no cargo no dia anterior pelo presidente Jair Bolsonaro.
Foram nove dias após a nomeação para o lugar de Eduardo Pazuello. No período, a pasta mais importante no combate à covid-19 ficou sem comando. Enquanto isso, a crise sanitária se agrava e o país atingiu, também nesta quarta-feira, 300 mil mortos por covid-19. Ontem, dia em que mais de 3.200 pessoas morreram, também por estar pressionado, Bolsonaro falou em rede nacional para tentar mostrar interesse pela tragédia humanitária.
Mas, incorrigível, disse que a “vida normal” será retomada em breve. Por sua vez, Queiroga pediu um “voto de confiança” e afirmou que tem “determinação expressa” de Bolsonaro para acelerar a vacinação.
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Pelo menos no discurso e entrevista coletiva, Queiroga – o quarto ministro durante a pandemia – procurou transmitir imagem oposta ao negacionismo do chefe, que passou um ano negando a gravidade da doença, combatendo o uso de máscaras, as vacinas e os protocolos médico-científicos.
Só agora, politicamente acuado pelos índices de popularidade despencando e porque a magnitude da tragédia brasileira deixa o mundo perplexo, o presidente decidiu ceder à criação de um grupo de trabalho para organizar o combate à pandemia.
Ao contrário de toda a prática de Bolsonaro, que demitiu os então ministros Henrique Mandetta e Nelson Teich por defenderem protocolos científicos, Marcelo Queiroga garantiu que “o compromisso número um é a implementação de uma forte campanha de vacinação”. Ele acrescentou: “Todos sabem o esforço que foi feito para buscar vacinas”. A declaração é uma inverdade.
Informação falsa outra vez
É amplamente reconhecido que, ainda em 2020, o governo recusou um contrato que teria trazido ao país 70 milhões de doses do imunizante da Pfizer. E a opinião pública, grande parte da qual indignada, assistiu a Bolsonaro guerrear contra a CoronaVac, que taxou de “vacina chinesa do Dória”.
“O Brasil já é o quinto país em aplicação em vacinas”, acrescentou Queiroga. A informação é falsa. O ministro apenas repetiu a mentira dita por Bolsonaro no pronunciamento de ontem. Segundo o projeto Our World in Data, vinculado à Universidade de Oxford, o país está na 58ª posição na vacinação por habitantes.
Segundo balanço divulgado pela CNN Brasil, o Brasil hoje registra mais mortes diárias do que a população de todos os 27 países da União Europeia (UE) somados. O bloco da Europa tem população de 446 milhões de habitantes, o dobro da brasileira.
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Na coletiva, Marcelo Queiroga disse que o presidente lhe deu “absoluta autonomia”. Entre as ações que precisam ser adotadas, em oposição à postura do presidente até agora, Queiroga citou a “forte parceria com as instituições científicas”. Mencionou o Conselho Federal de Medicina, o Conselho Federal de Enfermagem, entre outros.
Afirmou ainda que amanhã (25) vai visitar a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), “um orgulho da ciência brasileira”. Segundo ele, “isso mostra nosso compromisso com práticas científicas de boa qualidade”.
“Médico tem autonomia”
Na coletiva, questionado sobre o tratamento precoce e medicamentos não indicados contra a covid-19, mencionando o Código de Ética Médico, o novo ministro afirmou que “médico tem autonomia para prescrever medicamentos”.
Ele também foi perguntado sobre mudanças baixadas pelo governo Bolsonaro no sistema de registro de óbitos por covid-19. De ontem para hoje, os gestores passaram a ser obrigados a incluir informações pessoais das vítimas – como CPF, número do cartão nacional do SUS (CNS) e até a nacionalidade dos mortos –, o que faria despencar o número de óbitos diários registrados.
O ministro da Saúde respondeu que “o compromisso do governo é com a transparência”. Porém, ele ainda não sabia que Bolsonaro já havia recuado da nova prática, ante a péssima repercussão.
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Mas Bolsonaro, hoje, continua sendo Bolsonaro, responsável direto pela maior crise de saúde da história brasileira. Apesar dos aparentes esforços pelo diálogo e criação de um “comitê de crise”, os relatos são de que, na reunião com os presidentes da Câmara Arthur Lira, do Senado Rodrigo Pacheco e do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, ele “defendeu enfaticamente” o tratamento precoce e atacou o lockdown, segundo o jornal O Globo.