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Moro suspeito: um julgamento histórico e o começo de um caminho

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Até hoje, o grampo ilegal envolvendo a presidenta da República, Dilma Rousseff, e sua vergonhosa divulgação, permanecem como a mais condenável e escandalosa ação de Sérgio Moro - Marcos Corrêa / Fotos Públicas
Não foi o fim de nada, mas uma grande possibilidade de começo

Nesta terça-feira, 23, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro para julgar o ex-presidente Lula no âmbito da operação Lava Jato. Pode-se dizer, sem pieguices, que foi um reencontro do tribunal com a Constituição da República.

Digo isso porque o papel exercido pelo STF, como guardião de nossa Lei Maior, no curso das inúmeras ilegalidades cometidas pela Lava Jato, em sete anos de existência, não é de causar orgulho a ninguém que se coloque no campo da defesa do estrito cumprimento de princípios e normas processuais penais.

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Até hoje, o grampo ilegal envolvendo a presidenta da República, Dilma Rousseff, e sua vergonhosa divulgação, permanecem como a mais condenável e escandalosa ação de Sérgio Moro. Algo grotesco, nunca visto, que não obteve a necessária intervenção do órgão de cúpula do Poder Judiciário.

No ponto central do julgamento ocorrido ontem houve o reconhecimento do habeas corpus como ação cabível para apreciar nulidades, incluindo a suspeição, o que o evidencia como o remédio processual por excelência a ser utilizado para o reconhecimento de arbitrariedades, para afastar ilegalidades manifestas, tal como descrito na própria Carta constitucional.

A possibilidade faz parte da firme jurisprudência do próprio STF, com inúmeros precedentes citados pelo ministro Ricardo Lewandowski, com fundamentação no voto decisivo e marcante da ministra Cármen Lúcia.

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Outro tópico sedimentado foi que a suspeição, como nulidade absoluta que é, não perece, e prevalece sobre o argumento de preclusão. Significa dizer que se algo, embora suscitado em diversas fases e em outros tribunais, não tenha sido devidamente analisado e possa ser posteriormente comprovado, deve ser apreciado a qualquer tempo processual. A refutação da tese esplanada pelo ministro Nunes Marques.

No debate sobre provas, ficou esclarecido que os áudios da operação Spoofing foram levados em consideração pelos juízes apenas como elementos de reforço em suas argumentações, tendo em vista que eles não se encontravam nos autos. Mas foram apontados como fatos supervenientes que podem ser avaliados quando se trata de matéria atinente ao direito de defesa.

Os elementos que foram ponderados pela maioria formada no colegiado faziam parte de provas pré-constituídas, que já constavam nos autos muito antes das revelações de áudios sobre os conluios ocorridos na operação Lava Jato.

Entre eles estão a burla ao princípio do juiz natural, condução coercitiva ilegal, interceptações telefônicas ilegais de escritórios de advocacia, vazamentos ilegais de telefonemas, conversas e dados que constavam dos autos, marcação de depoimento em virtude do calendário eleitoral, notas em apoio a manifestações políticas em favor do impeachment, dentre vários outros.

Não se tratava apenas de julgar o comportamento desviante de um juiz em relação a um cidadão, mas do significado político de uma operação de investigação criminal, em que o inquérito e o processo penal funcionaram apenas de fachada para atingir objetivos espúrios.

Citado tanto no voto vencido do ministro Nunes Marques quanto no voto vencedor do ministro Gilmar Mendes, o célebre jurista italiano Luigi Ferrajoli, considerado um dos maiores expoentes do garantismo penal, já se manifestou mais de uma vez denunciando as ilegalidades da operação Lava Jato.

No dia 15 de janeiro de 2018, escreveu uma carta pública, em que já afirmava: “o sentido não judicial, mas político, de toda essa história é revelado pela total falta de imparcialidade dos juízes e procuradores que promoveram e efetivaram o julgamento contra Lula. Certamente este parcialismo/partidarismo foi favorecido por um singular e incrível traço inquisitório do processo penal brasileiro: a falta de distinção e separação entre juiz e acusador, e, portanto, a figura do juiz inquisidor que instrui o processo, emite mandados e, em seguida, pronuncia a condenação de primeiro grau...”

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A síntese da decisão da maioria formada no STF nessa terça-feira (23) pode ser definida na premissa mais evidente, presente nos ordenamentos jurídicos de todas as nações democráticas, de que todos os homens e mulheres merecem um julgamento justo, feito dentro das regras e por um juiz imparcial, que cumpra seu papel com desvelo, garantindo que não se descumpra o Direito, sob pena de tornar inválido o próprio resultado do julgamento.

Todos somos sujeitos de direitos, o que implica que não podemos ter contra nós ações dirigidas de agentes do Estado para nos desqualificar ou prejudicar de qualquer modo. Uma investigação sobre supostos desvios deve ocorrer por uma contingência do Estado, não por um voluntarismo de um determinado juiz ou tribunal.

O que esperar a partir da decisão em que, no dizer de Ferrajoli, foi contida a arbitrariedade do juiz, pode ser resumido em um trecho da fala derradeira de Gilmar Mendes.

O ministro ressaltou a esperança de que os alicerces desse julgamento sejam fortes o suficiente para marcar o fim de um trágico ciclo histórico de reprodução de práticas autoritárias, que pretendiam substituir a estrutura constitucional do sistema de proteção de direitos por um modelo estruturado de sua abnegação, baseado na promoção de personalidades heroicas, maiores que o Estado.

Mas isso, bom que tenhamos claro, demanda um longo trabalho ainda pela frente. Não foi o fim de nada, mas uma grande possibilidade de começo.

A declaração de suspeição de Moro foi um grande resultado no caminho da Justiça. Vale agora lutar para garantir que não haverá retrocesso, como no lema de Direitos Humanos: nenhum passo atrás, nenhum direito a menos.

 

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante