ARTICULAÇÕES

Por que Bolsonaro não consegue compor no Senado um centrão aos moldes da Câmara

Governo tenta ampliar controle, mas oposição nega que haja um bloco político com alinhamento automático

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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A proteção ao filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, foi um dos fatores que incentivaram a tentativa de criação do bloco do Senado
A proteção ao filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, foi um dos fatores que incentivaram a tentativa de criação do bloco do Senado - Senado Federal

As tentativas de articulação em torno de um bloco político governista no Senado Federal aos moldes da Câmara dos Deputados, capitaneado pelo chamado centrão, não estão sendo bem sucedidas. Essa é a avaliação dos parlamentares da oposição ouvidos pelo Brasil de Fato.

Os partidos costumeiramente listados como parte do centrão, um grupo informal organizado a partir da Câmara dos Deputados marcado pelo fisiologismo e tendências conservadoras, são o PP, o PL, Republicanos, Solidariedade e PTB.

O PSD, o MDB e o DEM e outros partidos pequenos, como PROS, PSC, Avante e Patriota, geralmente também estão alinhados com o grupo.

Essa articulação começou a se expandir para os domínios do Senado no final de 2020, tendo o então presidente da casa Davi Alcolumbre (DEM) como um importante articulador do bloco.

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“No Senado, nós não temos o centrão clássico, como existe na Câmara. Por isso que, por exemplo, na Câmara não se conseguiu instalar a CPI da covid, e no Senado se conseguiu as assinaturas”, argumenta o senador Randolfe (REDE-AP) sobre uma articulação que envolveu a oposição e “independentes”.


Líder da oposição, Randolfe aponta que conduta do governo na pandemia fere direitos garantidos pela Constituição Federal / Moreira Mariz/Agência Senado

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) compartilha de avaliação semelhante quanto ao suposto centrão. “O Senado é muito mais fluído. Não há um bloco movido só pela troca. Há um comportamento diferente, com menos propensão a se expor.”

O governo federal vem, nos últimos meses, distribuindo cargos para os partidos do centrão buscando garantir a aprovação de projetos prioritários e barrar as iniciativas de impeachment. No Senado, uma casa menor, a articulação é mais individualizada do que por partidos ou blocos políticos.

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A aprovação de reformas e a proteção ao filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, foram fatores que incentivaram a tentativa de organização do grupo no Senado.


Em novembro, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) denunciou o senador Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz por organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita / Sérgio Lima/AFP

"Velha política"

Investindo na imagem de outsider, durante a eleição e no início do mandato, Jair Bolsonaro costumava negar que negociaria com a “velha política” para garantir governabilidade.

Bolsonaro foi filiado ao PP, um dos maiores partidos do centrão, entre 2005 e 2016.

Caso não consiga o registro para seu novo partido (Aliança pelo Brasil) a tempo, tem no PP uma das possibilidades de legenda para a tentativa de reeleição em 2022, como declarou o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) no final de 2020.

Quando foi eleito pelo PSL, Bolsonaro tinha apenas este partido como base formal, entretanto, já havia políticos bolsonaristas pulverizados por várias legendas, tendência que continuou.

Governismo no Senado

Entretanto, o governismo é mais amplo do que se pensa, caso se utilize a métrica desenvolvida pelo Portal Congresso em Foco. Segundo o índice de governismo produzido pelo portal, em 87% das ocasiões os senadores votaram em conformidade com a orientação do líder do governo.

De acordo com o radar, Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente no biênio anterior, teria sido 100% governista. Já Randolfe Rodrigues (REDE-AP), líder da oposição no Senado, teria sido o senador que menos vezes votou alinhado ao governo, com 68%.

O senador Rogério Carvalho, líder da bancada do PT, avalia que o parâmetro de medição de alinhamento com o governo pode ser superficial. “Existe uma agenda que não é de governo, é de Estado. Às vezes, o governo vota com a gente”, explica.

“Nem sempre a orientação do governo vai ser a pauta do governo. Tem várias matérias que são apresentadas pelo governo e a gente muda ou veta. O percentual de vezes que se acompanha a orientação do governo em votações não é um critério fidedigno”, pondera.

Flávio Bolsonaro (RJ) é o único senador do Republicanos na presidência de uma comissão permanente. O filho de Jair Bolsonaro é vice na Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR), presidida pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo (PROS-AL).

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A aproximação do governo com Collor, filiado a uma sigla do centrão, também é um movimento recente e está ligada ao apoio do Planalto ao atual presidente do Congresso Arthur Lira (PP), conterrâneo de Collor e representante do grupo na Câmara dos deputados.

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Bolsonaro e Collor dividiram palanque em janeiro de 2021, ocasião na qual o senador minimizou as crises no atual governo / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Não-bolsonarista, mas a favor de agenda liberal

Apesar de ser do PP, partido aliado do governo e um dos maiores do centrão, a indicação de Kátia Abreu para a Comissão de Relações Exteriores (CRE) foi recebida com preocupação pelo Planalto.

A senadora ruralista é uma das principais críticas do Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. A comissão é responsável por sabatinar os novos embaixadores, o que pode colocar os “olavistas” em uma situação de pressão.

Em dezembro de 2020, a atual presidente da CRE criticou a indicação do diplomata Fabio Mendes Marzano para a delegação permanente do Brasil em Genebra, na Suíça, após ele se recusar a responder questionamentos sobre a agenda ambiental internacional.

O senador Humberto Costa (PT-PE), que é titular na CRE, afirma ser improvável barrar alguma indicação de embaixadores alinhados ao ideólogo Olavo de Carvalho. “São sempre pessoas do Itamaraty que preenchem os requisitos”, mas não nega a possibilidade de resistência eventual. 

Kátia Abreu considera prejudicial para o setor do agronegócio e para a implementação do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, anunciado em 2019, os ataques a parceiros comerciais como a China e a União Europeia – como nas hostilidades com Emmanuel Macron na época das queimadas que assolaram a Amazônia em 2019 – bem como o alinhamento automático com o ex-presidente Donald Trump.

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A China é o maior destino das exportações brasileiras, cujos valores em dólar superaram em mais de duas vezes o importado pelos Estados Unidos em 2019.

A senadora afirma publicamente não considerar produtivo a negação do aquecimento global e dos acordos ambientais internacionais. No entanto, as contraposições que a parlamentar faz em relação às posições do governo quanto ao meio ambiente são de caráter pragmático.

Quando ministra, Kátia Abreu atuou em defesa do uso intenso de agrotóxicos no país. Em 2011, no contexto de aprovação do Novo Código Florestal, a senadora fez declarações irônicas sobre a sociedade civil organizada que luta pela causa.

A senadora poupa as críticas quando se refere à Ministra da Agricultura Tereza Cristina (DEM-MS), com quem é alinhada politicamente.

Apesar dos embates com o bolsonarismo, a eleição da senadora para a CRE pode ser analisada como mais um sinal da alinhamento das relações exteriores pelos interesses pragmáticos do agronegócio, que ainda compõe a base de apoio ao governo.

Edição: Poliana Dallabrida