Faltando menos de um mês para as eleições gerais no Peru, que serão realizadas no dia 11 de abril, o país sinaliza uma recuperação econômica que não é duradoura, segundo o engenheiro e ex-diretor do Banco Central de Reservas do Peru, Gonzalo García Núñez.
Considerada a sexta economia da região, o Peru encerrou 2020 com uma contração de 15% do seu PIB, uma das maiores registradas na América Latina.
Com uma economia baseada na exploração de recursos naturais – como ouro, cobre e gás – e no turismo, o desemprego alcançou uma taxa de 13% em janeiro deste ano e os trabalhadores informais são cerca de 70% da população economicamente ativa.
O salário dos peruanos caiu aproximadamente 12% e a pobreza é realidade para 6,4 milhões de pessoas, o equivalente a 20,5% da população, segundo dados do Instituto Peruano de Economia (IPE).
No entanto, nos dois primeiros meses de 2021, o produto interno cresceu uma média de 7%. A retomada em formato de "V" indica uma base econômica pouco diversificada e muito dependente das exportações.
"Esses três indicadores: PIB, salário e emprego estão retomando, mas não na proporção necessária para encontrar uma certa estabilidade. Ainda mais porque acompanham uma crise social e política, que se expressa pela demissão dos quatro últimos presidentes”, sinaliza Gonzalo García Núñez, que além de engenheiro, é economista.
Pandemia
A recuperação imediata, com base no fim da quarentena, custou também muitas vidas. Durante meses, o Peru possuía a maior taxa de mortalidade por covid-19 em todo o continente. Hoje, o sistema hospitalar continua colapsado, com um universo de 1,4 milhão de infectados e 49,5 mil mortos em decorrência da doença.
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“[A pandemia] Mostrou os limites do modelo capitalista no Peru, os limites da capacidade de produção, a crise de regulação do Estado e a debilidade do setor privado para resolver, através dos seus instrumentos, problemas sociais complexos. E o que é mais dramático: depois de 20 anos de acumulação, entramos novamente numa crise típica de países dependentes de exportações de recursos naturais”, analisa Núñez.
Em fevereiro, ainda sob a gestão do ex-presidente Martín Vizcarra, a vacinação de grupos prioritários começou com um escândalo. Alguns funcionários teriam sido imunizados quando as fórmulas estavam em universidades peruanas no período de testes. A ministra de Saúde da época, Pilar Mazzetti, renunciou depois do caso.
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Vacinar-se e conseguir um novo emprego é o que mais de 40% dos peruanos esperam para 2021, enquanto 86,5% estariam de acordo com uma reforma constitucional, segundo pesquisa de opinião do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag).
Greve no transporte
Para agravar ainda mais o cenário, o país enfrenta o quarto dia de uma greve de trabalhadores do transporte, que denunciam o aumento do preço dos combustíveis e exigem sua inclusão nos grupos prioritários para a vacina.
Para o governo interino de Francisco Sagasti, a saída seria a diminuição dos impostos sobre os combustíveis, que variam entre 8 e 18%, já que desde os anos 1990, com o regime do ditador Alberto Fujimori (1990-2000), o mercado controlado pela espanhola Repsol refina 146 mil barris diários de petróleo, enquanto a PetroPerú refina 66 mil barris.
"Estamos numa situação que vai nos levar à deriva. Com dependência das importações chinesas, dificuldade de acumular capital e ainda com as carências geradas pela pandemia. O sistema, como está concebido, é um sistema de produção que prioriza os interesses privados, e não a ação coletiva”, analisa Núñez.
Reta final eleitoral
O cenário de melhora nos índices macroeconômicos, mas de manutenção da precariedade da vida do povo peruano, se une a uma profunda crise social.
No final de 2020, os peruanos derrubaram dois presidentes em duas semanas. Além disso, todos os presidentes eleitos depois dos anos 2000 foram acusados ou estão sendo processados por crimes de corrupção.
A disputa presidencial ainda está incerta, com 18 chapas disputando o pleito e 37% do eleitorado indeciso.
Para o economista Gonzalo García Núñez, que também foi secretário geral da organização Juntos Pelo Peru até 2018, a maioria das candidaturas mantém um discurso genérico com propostas irrealizáveis.
O favorito ao posto de presidente é Yonhy Lescano, pelo partido de centro-direita Ação Popular, que propõe o aumento dos impostos de maneira generalizada, do crédito para pequenas e médias empresas e a criação de um fundo especial para pessoas em situação de vulnerabilidade; além de propor reduzir a informalidade a 30%.
Pela extrema-direita, está Rafael Aliaga, do partido Renovação Popular, que segue uma linha de identificar como inimigo o servidor público, por isso propõe um novo código de conduta no setor. Outra proposta é diminuir a inflação gradativamente em cinco anos, criando um instituto de apoio aos pequenos e médios empresários e recuperando estruturas no campo.
Já pelo campo da esquerda, a aliança Juntos Pelo Peru, de Verónika Mendonza, propõe aumentar a participação estatal em 20% das ações da petroleira PetroPeru e criar um novo plano estratégico energético, com incentivos a pequenas e médias empresas e estatizações no setor.
“Nacionalizar o gás seria uma proposta importante, ainda mais num país que vendeu o gás a preço de banana para o México e outros países”, aponta García Núñez.
Com o gás privatizado e a dependência de importação do petróleo, o que salvou a economia peruana foi o aumento do preço do cobre, estanho e outros metais. Cerca de 60% dos ingressos do Estado peruano dependem do cobre.
Como mais um elemento da crise, até agosto de 2020, 30 mil empresas de pequeno e médio porte solicitaram o direito à suspensão do contrato de trabalho, alegando déficit gerado pela pandemia. Nesse caso, o Estado ofereceria um auxílio único de US$ 230 a cada trabalhador. Até o final de 2020, 5 mil pedidos foram aceitos e 7 mil rejeitados.
Esse contexto confirma que o dia 11 de abril será decisivo para o Peru e para a região, já que na mesma data será definido o novo presidente do Equador, haverá eleição para a convenção constituinte no Chile e também o segundo turno em governos regionais na Bolívia, consolidando ou não uma maioria para o partido governante, o Movimento ao Socialismo (MAS).
“Há uma tendência na América Latina que nos faz pensar que há possibilidade de estabelecer mudanças. Esperamos que o Grupo de Lima desapareça e voltaremos a estabelecer relações com países com princípios objetivos”, conclui Núñez.
Edição: Poliana Dallabrida