Vivemos tempos difíceis para as despedidas. Em período algum elas foram fáceis, mas com a pandemia se tornaram mais distantes, mais impessoais, mais frias. Logo nesse momento, o companheiro Joaquín Piñero nos obriga a despedir. Justo ele, que fazia questão dos abraços, dos cumprimentos e das homenagens através de palavras de afeto no momento doloroso das partidas.
Joaquín considerava indispensável reconhecer a vida e a luta dos companheiros e amigos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Por isso, inúmeras vezes, era ele quem acompanhava os velórios e discursava em nome do movimento para as últimas condolências.
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Sem dúvidas estaria feliz de ver que, mesmo de longe, está sendo lembrado nos quatro cantos do país em memórias postadas nas redes sociais e portais de notícia por aqueles que passaram pela sua vida. Essa, portanto, pode ser uma das tantas lições que ele nos ensinou: despedir, homenagear, lembrar a vida.
Foram muitos os aprendizados que Joaquín compartilhava, mesmo sem saber, sobretudo quando se tratava de persistência. Nascido em Ji-Paraná, em Rondônia (RO), filho de trabalhadores rurais, foi no interior de São Paulo que iniciou sua militância no MST, que se estendeu por cerca de 20 anos até seus últimos dias.
Ao longo de sua trajetória, atuou em diversos setores e estados do país, mas foi no Rio de Janeiro que se encontrou como bom flamenguista de carteirinha e grande apaixonado pelo samba carioca. Também foi na cidade maravilhosa que ajudou a construir dois grandes projetos militantes: o jornal Brasil de Fato RJ e o Armazém do Campo RJ.
Como leitor assíduo, Joaquín acompanhava as páginas impressas do Brasil de Fato com atenção. Fazia questão de dar sua opinião sobre as capas e escrever sobre a situação da América Latina, na coluna que mantinha, chamada “America Caliente”. Também relembrava o que tinha aprendido sobre jornalismo ao longo de sua experiência, deixando claro que “conhecimento não serve só para nos deixar ‘sabidos’, mas para compartilhar com os outros”.
Não à toa carregava esses ideais de professor. Nos anos 1990, quando passou meses preso injustamente, após um protesto do MST, usou o tempo dentro da cela para compartilhar conhecimento e formar militantes. Nesta época, ainda era conhecido como Valquimar Reis Fernandes, seu nome de batismo, e na prisão passou a ser “Professor”, mas gostava de ser chamado Joaquín, nome que ele mesmo havia escolhido.
As aulas tratavam sobre disciplinas básicas do ensino escolar e preparavam os estudantes para os exames supletivos. Mas também sobre a luta do MST, o socialismo e as ideias marxistas.
“A gente socializava as leituras dos grandes pensadores, depois eles vinham falavam sobre ‘mais-valia’”, disse orgulhoso em entrevista à Folha de São Paulo, em dezembro de 2000.
Joaquín lutou incansavelmente nos últimos meses contra um câncer devastador. Ao mesmo tempo, continuou na “ativa”, reorganizando acordos políticos, trabalhando pelo Brasil de Fato, se fazendo presente ao lado de sua família - sua companheira Karla e suas filhas queridas, Anahí e Yara.
Joaquín escolheu, justamente, passar os momentos restantes fazendo o que sabia de melhor: persistir. Esse é mais um dos tantos aprendizados deixados pelo nosso professor.
Descanse em paz.
* Mariana Pitasse é jornalista e editora do Brasil de Fato RJ
Edição: Rebeca Cavalcante