Coluna

Reformas estruturais e medidas anticapitalistas para um governo de esquerda

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A possibilidade de Lula ser candidato à presidência em 2022 mudou a relação política de forças no Brasil - Ricardo Stuckert / Fotos Públicas
O desgaste do governo Bolsonaro, ainda que lento, tem sido ininterrupto

A possibilidade de Lula ser candidato à presidência em 2022 mudou a relação política de forças no Brasil. Foi a maior vitória política democrática dos últimos cinco anos. A relação social de forças tende a se deslocar, também, mesmo que mais lentamente, em função da explosão de entusiasmo provocada na esquerda.

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As relações sociais de força entre as classes se decidem na estrutura da sociedade. Elas flutuam como decorrência dos desfechos e confrontos das lutas do período anterior. São as posições de classe definidas pelos desenlaces passados. Elas são determinadas por fatores objetivos, mas para o marxismo não são menos decisivos os fatores subjetivos que são a refração na consciência das massas. Ainda estamos em uma situação reacionária, portanto, defensiva. Viemos de cinco anos de derrotas acumuladas. Não há lugar para qualquer dúvida. Mas o desgaste do governo Bolsonaro, ainda que lento, tem sido ininterrupto.

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Os setores, politicamente, mais ativos na base social da esquerda se sentem hoje mais fortalecidos que ontem, e isso conta. As alterações na consciência das massas são chaves na disposição de luta, no ânimo, na força moral, na autoconfiança. Há situações em que a relação política de forças é pior que a relação social. Há outras em que o inverso acontece. Nunca há plena sintonia, embora a tendência seja a sincronia.

Em geral, o padrão é que a consciência está atrasada em relação á situação objetiva. Antes que as posições de classe mudem é necessário que a consciência se transforme. Grandes acontecimentos incidem como raios, trovões e relâmpagos na mentalidade das massas. Vitórias funcionam como um choque. Quando o que parecia impossível acontece, surpreendendo, o alcance das expectativas se eleva.

A Lava Jato viveu uma derrota fatal. A narrativa de que o governo do PT era uma quadrilha corrupta foi, gravemente, ferida e agoniza. A ironia da história foi que a necessidade de preservar a Lava Jato explica a decisão de Fachin de transferir os processos que condenaram Lula em Curitiba para o TRF-1 de Brasília e a anulação das condenações.

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Essa reviravolta monocrática foi uma surpresa e deixou a classe dominante estupefata. Fundamentada em uma tecnicalidade jurídica, reconheceu a incompetência do foro de Curitiba, manipulado desde o início, politicamente, por Sergio Moro. A decisão de Gilmar Mendes, na sequência, de colocar em votação a suspeição de Moro trouxe ainda mais turbulência à superestrutura institucional.

A suspeição de Moro, que ainda pode acontecer, mesmo com o pedido de vistas feito pelo indicado de Bolsonaro, enterraria sua possível candidatura. Moro ainda é hoje o nome de maior popularidade da oposição liberal. Mas parece cada vez mais um cadáver insepulto. Sem ele o “giro ao centro”, ou seja, a possibilidade de uma candidatura de direita liberal, como Doria, conquistar a liderança da oposição, deslocando uma candidatura de esquerda do segundo turno, é mais duvidosa. O cenário de um confronto entre Bolsonaro e Lula em 2022, mantidas as atuais condições, passou a ser a hipótese mais provável.

Esse deslocamento surpreendente na superestrutura política em uma conjuntura de cataclismo sanitário e recessão econômica abre a possibilidade de elevar o patamar da resistência.

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A melhor tática para lutar contra Bolsonaro é a Frente Única de Esquerda. As responsabilidades do PT e de Lula aumentam. Não podemos manter o quietismo, a espera de 2022, para responder a necessidade de vacinas para todos e de auxílio emergencial, sob a bandeira Fora Bolsonaro. Um ano e meio nos separam das eleições de 2022. Muito tempo. Não podemos, somente, “aguentar” firme.

A luta por um governo de esquerda deve ser o centro da estratégia. Precisamos de uma esquerda com instinto de poder. Ao recuperar seus direitos políticos, Lula se credencia como o nome mais forte da esquerda para a disputa do segundo turno, evidentemente.

Mas o desafio neste momento não é a definição, com um ano e meio de antecedência, de quem serão os candidatos na escala nacional e nos estados. Claro que nenhuma corrente de esquerda pode ser um obstáculo para que uma candidatura de esquerda chegue ao segundo turno.

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O caminho a ser construído passa pela discussão e negociação de um programa de reformas estruturais com medidas anticapitalistas. Nesse debate ninguém deve colocar ultimatos. Precisamos tirar as duras lições do golpe parlamentar e, portanto, dos erros e hesitações dos treze anos que o precederam. Radical é o desastre que Bolsonaro provocou.

Edição: Rebeca Cavalcante