Eduardo Silva foi motorista de ônibus por 20 anos, com carteira assinada, mas perdeu o emprego ao início da pandemia de covid-19. Há quatro meses, alugou um carro, cadastrou-se no aplicativo Uber e passou a trabalhar de domingo a domingo.
“A gente se sente lesado. Não tem direito nenhum, não tem ninguém para nos dar um suporte. Ganha o que faz na rua. E, se ficar doente, ferrou, porque o SUS está um caos nessa pandemia”, relata.
Em 2021, o preço do litro da gasolina foi reajustado seis vezes e subiu, no acumulado, 53%, ultrapassando a casa dos R$ 5 em quase todos os postos.
O reajuste no preço de combustíveis impacta em quase todas as mercadorias. Os empresários responsáveis pelo frete repassam o aumento aos comerciantes, que transferem ao consumidor final, e logo o custo de vida sobe em todo o país.
A angústia de Eduardo é a mesma de 1 milhão de motoristas de aplicativo no país, que precisam cobrir esse custo adicional sozinhos, sem possibilidade de transferir o prejuízo a ninguém.
Eles deixam uma parcela cada vez maior de seus ganhos no posto e no supermercado e veem as corridas renderem ainda menos.
O Brasil de Fato conversou com alguns desses trabalhadores em São Paulo (SP), cidade brasileira que mais utiliza aplicativos para transporte de passageiros. Confira:
“Carne, agora, é uma vez por mês”
Embora viva em um apartamento próprio, Eduardo paga R$ 1,5 mil por mês em dívidas do imóvel. As despesas fixas ainda incluem, além do aluguel do carro, a pensão da filha mais nova, de seis anos. O motorista também ajuda o primogênito, de 21.
“Eu tento dar o melhor aos dois, mas está difícil”, reconhece. Doze horas diárias de trabalho, com risco de contaminação, rendem a Eduardo até R$ 2 mil “limpo” – descontadas as despesas acima.
No supermercado, o dinheiro compra cada vez menos, a tal ponto que o cardápio semanal mudou. “Hoje em dia, o que dá para comer é um frango. Carne, agora, é uma vez por mês”, relata o motorista, que pretende deixar a Uber ao final da pandemia.
“Os governantes do nosso país não gostam do pobre. Então, é torcer para essa covid acabar e as portas dos empregos se abrirem, para a gente tentar fazer outra coisa. Por enquanto, tem que ir sobrevivendo aqui”, finaliza o motorista.
“Tudo aumenta, menos os valores da corrida”
Ricardo Rodrigues de Souza trabalha há mais de três anos como motorista de aplicativo na capital paulista. Pai de dois filhos, de 10 e 6 anos, ele afirma que sua renda mensal caiu à metade devido à pandemia e ao aumento dos preços nos combustíveis.
Ricardo conta que vem faturando, em média, R$ 3 mil mensais. Nos tempos áureos, fechava o mês com R$ 7 mil. “Tudo sobe, menos os valores da corrida. A Uber não dá aumento pra gente há quase seis anos, então fica difícil”, critica.
O valor pago pelos aplicativos aos motoristas “parceiros” é resultado de uma série de variáveis, como distância, tempo da corrida, conforto do veículo e demanda de passageiros.
A Justiça brasileira não reconhece vínculo entre os motoristas e empresas como Uber, 99 e Cabify.
O aluguel do carro representa, para Ricardo, um custo fixo de R$ 400 por semana ou R$ 1,6 mil por mês. Isso significa que metade dos seus ganhos são destinados ao custeio do instrumento de trabalho.
“Tem meses em que eu não consigo pagar todas as minhas contas e vão se acumulando as dívidas”, lamenta o motorista.
“A gente paga para trabalhar”
Elvis Freitas Vidal, de 23 anos, atua desde os 18 como motorista. Hoje, ele usa um carro flex, que dá a opção de abastecer em álcool quando o preço da gasolina se torna inviável.
Porém, como o álcool rende em média 30% menos, só vale a pena se o litro custar até 70% o da gasolina. Não é o caso, relata Elvis. O etanol subiu quase na mesma proporção dos combustíveis à base de petróleo.
O primeiro motivo diz respeito a oferta e demanda. Como o álcool pode substituir a gasolina nos modelos flex, muitos consumidores acabam optando pelo mais barato. Se a procura pelo etanol aumenta, o preço também sobe. A segunda razão é que o álcool sofre influência direta da cotação do dólar.
“A gente paga para trabalhar”, relata Elvis. “Hoje eu coloco R$ 100 de gasolina e dá 20 litros. Rodando esses 20 litros, eu tenho um lucro de, mais ou menos, R$ 30”.
“Vamos supor que meu pneu furou”, completa o motorista. “Se eu fizer uma corrida de R$ 100 e colocar R$ 70 de álcool, não consigo nem consertar o pneu.”
Para conseguir ter alguma margem, o jeito é trabalhar cada vez mais: de manhã até a noite, com intervalos curtos e, no máximo, 2 folgas por mês.
O motorista enfatiza que quem trabalha no ramo dificilmente faz as refeições em casa. “A gente está na rua toda hora, e a comida fora é muito cara. Então, come lanche, come alguma coisa rápida, mais barata, come o que tiver”, relata.
Por que a gasolina subiu tanto
Desde o governo Michel Temer (MDB), a Petrobras adota o Preço de Paridade Internacional (PPI), ou seja, atrela os preços dos combustíveis no Brasil ao valor do barril de petróleo no mercado internacional.
Segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP), essa política de não intervenção em um mercado instável e altamente condicionado pela especulação é o que explica os aumentos constantes nos preços dos derivados de petróleo, como o diesel, gasolina e gás de cozinha.
Desde o início da pandemia, a moeda brasileira foi a que mais desvalorizou no planeta.
Hoje, 39% dos lucros e dividendos da Petrobras são distribuídos a acionistas estrangeiros. A empresa está em processo de privatização, caracterizado inicialmente pela diminuição do investimento público e pela venda de refinarias.
Desde 2018, o governo se desfez indiretamente de 16,2% das ações ordinárias (com direito à voto) da Petrobras. Com isso, o Estado passou a deter apenas 50,2% da petroleira, o limite para manter seu poder de decisão.
De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os investimentos da estatal subiram de US$ 6 bilhões, em 2003, para US$ 48 bilhões, em 2013. Depois disso, houve uma queda gradativa até chegar aos US$ 10 bilhões do ano passado.
Em 2013, a Petrobras tinha 86 mil trabalhadores próprios e 360 mil terceirizados. Ao final do primeiro ano do governo Bolsonaro, eram 57 mil trabalhadores próprios e 103 mil terceirizados, configurando-se como a empresa do setor que mais demitiu funcionários em todo o mundo.
Edição: Poliana Dallabrida