No trabalho, as mulheres atuam nos quatro setores mais atingidos pela crise global da pandemia
Por Débora Sá, Fernanda Maria Caldeira, Kelli Mafort e Renata Porto Bugni
O pior lugar do mundo é aqui e agora! Pelo menos em termos da crise sanitária, pois além de termos uma rápida proliferação do vírus da covid-19 e suas mutações genéticas, convivemos com um projeto de morte liderado por Bolsonaro.
A pandemia evidenciou as deficiências de um sistema que prioriza o lucro à vida, que privatiza serviços essenciais, e, pior, que nega vacina à maioria da população global enquanto países ricos as armazenam em números suficientes para imunizar suas populações inteiras por três vezes.
Com apoio de um governo que assiste ao surgimento de 33 novos bilionários em 2020 só no Brasil, a gestão do país escolhe não organizar o combate à pandemia, e cortar o auxílio emergencial na quantidade e velocidade necessárias, ao mesmo tempo em que outras milhões de pessoas perdem seus empregos e muitas delas voltam à extrema pobreza.
Já somos 84 milhões de pessoas em insegurança alimentar e 15 milhões convivendo com a fome todos os dias.
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 100 milhões que compõem a população economicamente ativa, 14 milhões estão desempregados, 6 milhões desalentados, 40 milhões de pessoas vivem de bico e apenas 40 milhões têm carteira assinada (e mesmo estes, com direitos solapados pela reforma trabalhista).
Portanto, são 60 milhões de brasileiros e brasileiras em condição de vulnerabilidade e parte disso é tida como massa sobrante que pode ser eliminada – por vírus, fome ou tiro, que pode sair da arma de polícia, milícia ou das forças armadas que seguem ameaçando a incipiente democracia brasileira.
Já somos 84 milhões de pessoas em insegurança alimentar e 15 milhões convivendo com a fome todos os dias.
A diminuição das políticas sociais, a desvalorização do salário mínimo e a redução no poder de compra das famílias da classe trabalhadora agrava a situação.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), atualmente o salário mínimo pode comprar apenas 1 cesta básica e meia e não sobra recursos para outras despesas como aluguel, remédios etc.
A pandemia escancarou a histórica desigualdade social, e mesmo entre a classe trabalhadora, não somos atingidos da mesma forma. Para nós mulheres, a lata d’água é cada vez mais pesada.
As mulheres são responsáveis por 45% das famílias (chefes de família). A metade das que acessaram o auxílio emergencial no ano passado, estão fora do desidratado Programa Bolsa Família e, com isso, já estão mais expostas, tendo que administrar os conflitos decorrentes da falta de alimentos e renda.
Nosso grito vem de Marielles, Dandaras, Olgas e Marias Mahins.
Nos processos de trabalho, as mulheres atuam nos quatro setores mais atingidos pela crise global da pandemia - hotelaria, restaurantes, varejo e manufaturas - foram, portanto, as que mais perderam empregos no mundo.
Também são elas que estiveram (e estão) na linha de frente na área da saúde - elas compõem cerca de 67% da mão de obra do setor no mundo, especialmente na enfermagem – além de estarem elas também na linha de frente do cuidado nas casas e comunidades.
A pesquisa “Sem Parar”, organizada por Gênero e Número e SOF Sempreviva Organização Feminista, traz dados alarmantes sobre o trabalho e a vida das mulheres na pandemia.
Aponta que 47% das entrevistadas afirmaram ser integralmente responsáveis pelo cuidado de outra pessoa: filhos, outras crianças, idosos ou pessoas com alguma deficiência. Essa pesquisa aponta para as dinâmicas sexistas do cotidiano dos domicílios, intensificadas pela pandemia.
A crise social, econômica e sanitária também tem suas expressões nos conflitos familiares.
O número de casos de feminicídio apresentou aumento em diversos estados do Brasil e no mundo, quando comparado com o mesmo período do ano de 2019 - entre março e abril deste ano, os casos de feminicídio cresceram 22,2%, em 12 estados do país, e entre março e agosto, aconteceu um feminicídio a cada nove horas.
Apesar do aumento do número de casos, os dados mostram redução no número de denúncias, seja por receio da mulher em denunciar, diante da proximidade do agressor, ou por medo ou impossibilidade (falta de transporte público, por exemplo) de descumprir as medidas de isolamento social e também pela dependência financeira a que muitas estão submetidas.
Mas ainda que o momento seja marcado por todas estas violências, as mulheres estão organizadas em diversas iniciativas de solidariedade.
O combate à fome nas periferias tem unido as mulheres que produzem alimentos no campo às mulheres na cidade que se envolvem em cozinhas comunitárias e distribuição de alimentos nas periferias urbanas.
Não calarão nossa voz! Gritamos Vacinação Já! Volta Auxílio Emergencial e Fora Bolsonaro!
As ações de solidariedade têm cumprido um papel fundamental na conjuntura, organizando as mulheres em torno das lutas populares e reivindicações de direitos que são próprias da trajetória da luta das mulheres.
Neste Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, estamos unidas para denunciar a insensatez que desafia a crença na ciência, a desfaçatez de um líder de Estado que prefere o caos ao uso de máscaras protetoras, que quer reverter os ganhos políticos e sociais dos trabalhadores, e que consente passar a boiada no Congresso enquanto sua população passa fome.
Nosso grito vem de Marielles, Dandaras, Olgas e Marias Mahins. Com elas e com todas, vamos construindo desde a Periferia Viva, o nosso Trabalho de Base permanente, a Formação Política inspirada na educação popular de Paulo Freire e nos preparando para os tempos possíveis das lutas rebeldes e insubordinadas.
Resistir é a palavra de ordem, mas junto com ela, as mulheres “vão traçando novos planos para poder contra atacar”. Não calarão nossa voz! Gritamos Vacinação Já! Volta Auxílio Emergencial e Fora Bolsonaro!
Edição: Leandro Melito