Rio Grande do Sul

Coluna

Um dia para lembrar as que vieram antes de nós! Nossa luta é longa e tem raízes

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Clara Zetkin, grande amiga e camarada de Rosa Luxemburgo, propôs a data para um possível dia Internacional da mulher no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagem - Reprodução
Ainda precisamos avançar muito para garantir um ambiente minimamente saudável para nós, mulheres

"Quem é feminista e não é de esquerda, carece de estratégia. Quem é de esquerda e não é feminista, carece de profundidade". Rosa Luxemburgo

As raízes que dão origem à data dedicada às mulheres no calendário mundial são históricas, de luta, de questões muito sérias e profundas.

O senso comum finge que o significado desse dia é uma rasa homenagem às mulheres, mas nós sabemos que não. A data, já oficializada pela Organização das Nações Unidas no ano de 1975, é um dia importante para a luta por igualdade de gênero em todo o mundo.

Isso deve-se também aos eventos que marcaram a caminhada do feminismo, que é nossa luta de todo dia. E a história das mulheres que trabalhavam em fábricas nos Estados Unidos e na Europa.

As condições de trabalho não eram nada boas, e para as mulheres ficavam ainda piores, com jornadas de 16 horas diárias de trabalho durante seis dias por semana. Muitas vezes, os filhos também trabalhavam nas fábricas, com o trabalho infantil legalizado.

A primeira notícia de um dia para tratar especificamente da situação precária vivida pelas mulheres trabalhadoras data de 26 de março de 1909, dia em que se realizou uma grande manifestação nas ruas de Nova York. Ela contou com a participação de cerca de 15 mil mulheres.

Outro evento, o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas em 1910, contou com falas que também denunciavam as absurdas condições de trabalho, às quais as mulheres eram submetidas, lembrando que eram, SEMPRE, piores que as dos homens. E evidenciou que essas questões deveriam contar com espaço para serem discutidas e incluídas nas pautas sindicais. Clara Zetkin, ligada ao Partido Comunista alemão, propôs jornadas anuais para tratar da questão das mulheres. Com isso, temos uma segunda data em que se celebrou um dia para a luta das mulheres, o dia 19 de março de 1911.

Em 1913, nos Estados Unidos, também outras mulheres estiveram nas ruas protestando pelo direito ao voto. Mas foi no dia 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário juliano), ano da Revolução Russa, que temos um marco bastante forte. Uma manifestação pelas ruas onde aproximadamente 90 mil operárias protestavam com veemência contra o Czar Nicolau II, contra a primeira guerra e a fome que acometia a Rússia. Este já é reconhecido como um fato que contribuiu para o estopim da Revolução.

Imagino que não sou a única que tenha ouvido sobre o incêndio que vitimou 130 mulheres em 1911 numa fábrica em Nova York. Em algum momento, ouvimos essa história como a origem do 8 de março. Para Flávia Rios, professora da Universidade Federal do Goiás, o incêndio em Nova York faz parte da história de luta das mulheres, mas como contexto, não como fator único de criação do 8 de março, já que muitas operárias morreram no mesmo momento em que trabalhadoras e feministas lutavam por melhores condições para trabalhar e pelo desejo de ter o mesmo espaço ocupado por homens na política.

Mas outra companheira chamada Eva Blay, professora de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, diz que a alemã Clara Zetkin propôs a data para um possível dia Internacional da mulher antes do incêndio, durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagem. Portanto, o incêndio não seria o primeiro motivador.

A verdade é que sem dúvida esse dia só existe em nosso calendário porque houve grandes movimentos de reivindicação política, greves por direitos trabalhistas (direitos iguais e de salário), políticos (pelo direito ao voto e a ser votadas) e civis (divórcio) e claro, durante essa caminhada de luta não faltou violência policial do Estado.

Posso dizer tranquilamente que sempre tive o incêndio como uma imagem que me provoca, me convida à luta e à sororidade. Por isso faço questão de lembrá-lo no dia de hoje.

De lá pra cá, muitas coisas mudaram. Um dos aspectos que atualmente mais me motiva é ver a ocupação competente e combativa das mulheres na política. A qualidade da atuação de nossas parlamentares num momento tão crítico de nossa história é um alento e um convite. O bolsonarismo, face terrível da misoginia e do machismo, não nos deixa esquecer que mais do que nunca é fundamental que estejamos nesses espaços de poder e de construção de políticas públicas que vejam o outro, de empatia e responsabilidade.

Verdade que são mais tempos de lutar para preservar o máximo dos avanços conquistados até aqui do que de conseguir avançar em propostas mais ousadas, visto que a extrema direita tem mostrado que necropolítica é seu modo de agir. Matar e destruir o máximo possível. Como no Brasil a ideia de Estado laico foi absolutamente sequestrada, não vou tratar aqui do absurdo que é não termos assegurado sequer o direito ao aborto em caso de estupro. Nosso novo Brasil medieval persegue crianças estupradas para impedi-las de realizar o aborto que lhes é direito.

Ainda precisamos avançar muito para garantir um ambiente minimamente saudável para nós, mulheres. Um ambiente em que não tenhamos que ser expostas a ameaças e assédio. Caso recente de três parlamentares. A vereadora mais votada de Belo Horizonte, Duda Salabert (PDT-BH) foi ameaçada de morte. O mesmo ocorreu mais de uma vez com a vereadora Erika Hilton (PSOL-SP), faço questão de dizer, a mulher mais votada do Brasil nas últimas eleições. Teve seu gabinete invadido. Vítima de machismo, transfobia e racismo.

Ou ainda o lamentável caso da companheira Isa Penna (PSOL-SP), assediada dentro da Assembleia Legislativa por um deputado. A sentença, conhecida há poucos dias, mostra que o machismo e a impunidade são marcas desses tempos. Suspender o deputado por pouco mais de cem dias, possibilitando uma espécie de descanso para o destemido assediador (que se deu ao luxo de cometer seu crime diante de um plenário cheio e com câmeras), nos revolta e envergonha.

No teatro, meu campo de atuação, nós ainda somos invisibilizadas e pouco sabemos sobre as mulheres que desenvolveram essa arte ao longo da história. Minha busca tem sido fazer ver as que vieram antes de nós na cena para também garantir que nós, diretoras, atrizes, figurinistas, técnicas de luz, cenógrafas, técnicas de som, produtoras e etc. sejamos reconhecidas e levadas em conta na hora de contar a história oficial do teatro brasileiro. Pelos nossos direitos e pelo fim da invisibilização.

Como vemos, estamos apenas começando.

Em memória destas grandes lutadoras pelos direitos das mulheres:

Safo (630-580 a.C), Elizabeth Cady Station (1815-1902), Lucretia Mott (1793 - 1880), Harriet Tubman (1822-1913), Sojourner Truth (1797-1883), Olympe de Gouges (1748-1793), Mary Wollstonecraft (1759-1797), Millicent Fawcett (1847-1929), Emmeline Pankhurst (1859-1928), Táhirih (1814/17 - 1852), Clara Zetkin (1857-1933), Rosa Luxemburgo (1871-1919), Margaret Sanger (1879-1966), Espertirina Martins (1903 - 1943), Marielle Franco (1979 - 2018).

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko