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Sem atalhos, seguem os desafios do povo brasileiro

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Chega de atalhos, de messias, de falsos milagreiros. Toda e qualquer sociedade avança quando seus povos, quando seu grande contingente de trabalhadores entra em cena - PH Reinaux/Comunicação MTD
Sim, nós sabemos lutar, nós tivemos que aprender a sobreviver

Partimos das leituras e análises da nossa realidade econômica, política e social, que deixam nítidas que a tarefa número um, em 2021, é seguirmos travando a luta pelo direito de existirmos e de ficarmos vivos. Nós que somos parte das grandes frações da força de trabalho mal-empregadas, subempregadas, desempregadas, superexploradas e, portanto, mais empobrecidas da classe trabalhadora. Essa luta passa pelo direito à saúde, à vacinação organizada para todos, ao trabalho e à renda, mas estes só serão possíveis se este Governo for destituído e varrido da história do Brasil.

Porém, sabemos que essas lutas exigem que trabalhemos em um dos desafios mais complexos que é aprendermos a usar a nossa inteligência de sobrevivência do campo individual e familiar, para o campo social e coletivo, ou seja, reaprendermos a lutar juntos, formulando objetivos e metas comuns, pelos quais valem a pena lutar.

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O direito à saúde no Brasil passa por ativar os “tubos de oxigênio no SUS”, religar as fontes de recursos públicos da saúde, educação, previdência, assistência social, congelados por 20 anos na Emenda Constitucional nº 95 de 2016. Em outras palavras, teremos de revogar esse ato covarde da classe dominante brasileira contra o povo que adoece com o desmonte do Sistema Único de Saúde.

A sociedade arrastada à força para a lógica de mercado, que prega que quem quiser saúde, escola, aposentadoria, que pague, a preço de ouro, aos vendilhões do Estado. Construir políticas de saúde levam anos de esforços estruturais, recursos econômicos, pesquisa, logística, mas desmontar e destruir é algo muito rápido e os números dos infectados, hospitalizados e mortos pela Covid-19 deixam isso exposto, como uma fratura terrível, cuja solução não é simples.

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Vemos a não política pública de vacinação em massas, vemos a não soberania nacional em produção de insumos, vacinas, medicamentos. Vemos falas erráticas e falsas das autoridades governamentais federais e com isso desenha-se na nossa frente um ano inteiro de conflitos, confusões, de uma imunização que será feita em doses homeopáticas, consumindo mais um ano de nossas vidas em meio a uma pandemia descontrolada.

Mas tudo poderá piorar um pouco mais. A crise econômica dirigida pelas autoridades máximas do deus mercado não tem interesse nenhum em salvar economias, nações e seus povos, e sim salvar seus grandes banqueiros, agiotas e assemelhados. Por isso declara que o Estado é como a dona de casa que não pode gastar mais do que arrecada.

Com isso nos engana, porque o Estado está longe de ser como uma dona de casa, esta não tem a casa da moeda, não pode gastar, emitir títulos de seu Tesouro e depois pagar e muito menos pode arrecadar recursos dos filhos mais ricos para equilibrar a vida dos filhos mais pobres. Mas o Estado pode fazer isso com seus “cidadãos” ultrarricos que não pagam impostos sobre seus patrimônios e rendas (os 90 mil burgueses). Somente esse ponto na política tributária nacional já faria sobrar orçamento para retomar e pagar um ano de Auxilio Emergencial para todos os que precisam dele.

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Os desafios de revigorar o SUS, termos vacinação para todos, em escala nacional, rápida e bem organizada, a retomada do auxílio emergencial, uma política nacional de proteções aos empregos, reajustes dignos dos salários, com uma visão de soberania nacional, de autonomia em diversas áreas das necessidades de abastecimentos em massa, como alimentos, medicamentos e saneamento exigem que encaremos o desafio político do Fora Bolsonaro.

Sabemos o quanto a classe trabalhadora está machucada com as questões políticas nacionais, o quanto é usada pelas grandes máquinas de mídias, com fake news e com as mágoas mal resolvidas com o último período da esquerda, as quais estão na hora de retirarmos debaixo dos tapetes.

Para lidarmos com o nosso passado, tanto o mais distante, que envolve os graves problemas das heranças do trabalho escravo no país, como o racismo e as desigualdades estruturais; como o nosso passado mais recente, onde a política partidária precisa ser ressignificada e com ela e outras ferramentas de organização social, precisamos redesenhar nosso projeto de futuro e nele não cabe um genocida perverso.

Mas até sobre esse perverso nós precisamos falar, compreender por que ele existe, como um fantasma que habita nossos piores pesadelos, onde as sombras do ódio da classe dominante contra o povo, contra o pobre, contra o preto, ardem e ganham lenha inclusive de muitos trabalhadores que olham a realidade e não compreendem qual é a ponta desse novelo.

Por tudo isso, teríamos muitos motivos para o desânimo, o cansaço, o abandono das esperanças em outras formas de vivermos juntos em sociedade. Mas, é justamente em momentos de grandes crises, onde não há só perigos, há também possibilidades. Sem nos escondermos das crises, dos seus desafios, sem fugirmos dos problemas, do pântano em que estamos metidos, buscando atalhos falsos, que mais nos afundam. Chega de atalhos, de messias, chega de falsos milagreiros. Toda e qualquer sociedade avança quando seus povos, quando seus grandes contingentes de trabalhadores entram em cena, entram na luta pelo seu destino comum e nós brasileiras (os) devemos isso para nós mesmos.

Sim, nós sabemos lutar, nós tivemos de aprender a sobreviver, nós temos uma inteligência social muito interessante, mas nós a usamos em escala individual e familiar e precisamos discutir estes desafios comuns e, mais ainda, que país deixaremos para nossos filhos.

Deixaremos para eles uma senzala sem esgoto, sem comida digna, sem saúde, sem um projeto de educação, sem meio ambiente, sem ecologia? Ou lutaremos para desmontar as estruturas da desigualdade da casa grande e da senzala e em seu lugar ergueremos outra cidade, outro campo, onde a vida de cada ser humano e da natureza seja de fato a coisa mais importante? Uma vida vivida não sob a lógica do mercado, do dinheiro, do lucro de poucos e sim sob a lógica do bem comum.

 

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante