Rio Grande do Sul

Coluna

"Bolso nada que pariu" (Francisco, El Hombre)

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"O que se desenha para este ano 2021, e que não nos permitirá esquecer o governo Bolsonaro, é uma tragédia sem precedentes" - Carlos Latuff
Na ausência de governos dispostos a assumir responsabilidades caberá ao povo fazer o possível

Segundo o IBGE, pelo menos 30 municípios brasileiros possuem até 1.500 habitantes. Sabendo disso é possível imaginar que, em 25 de fevereiro, a maior dentre aquelas cidades desapareceu do mapa, como queriam os gringos de Bacurau. Naquele dia 25, a "gripezinha" matou 1.582 brasileiros.

Há mais de um mês, esta contagem macabra supera os mil mortos/dia. É como se diariamente fossem sumindo do mapa cidadezinhas como Serra da Saudade (MG), Borá (SP), Araguainha (MT), Engenho Velho (RS), ou outras tantas aglomerações com menos de 1.000 habitantes.

E por terrível que pareça, a situação vem piorando com o apoio de gente assemelhada àquele prefeito Tony Junior, de Bacurau. Atualmente, até o ministro general da saúde reconhece que o vírus mutado se espalhou no pais e que, por apresentar taxas de contaminação três vezes maiores, “pode surpreender o gestor em termos de estrutura de apoio”. “Essa é a realidade que vivemos hoje no Brasil", sentencia o general da saúde, poucos meses depois de afirmar que não entendia o motivo para tanta preocupação. Confiava, talvez, na recomendação do capitão presidente, que sugeria ao povo que deixasse de ser maricas e enfrentasse a pandemia de peito aberto. Infelizmente muitos o seguiram, e deu no que deu. Com um quarto de milhão de mortos, não chegamos no fundo do poço, mas o Executivo segue distribuindo pás, de baciada.

Pelo menos no RS, o governador bolsonarista parece estar acordando. Diante de 90% dos leitos de UTIs ocupados, mais de 12 mil mortos e 620 mil infectados, o  Comitê Científico de apoio ao enfrentamento da pandemia Covid-19 do Governo do Estado do Rio Grande do Sul  recomendou e o Leite acatou: bandeira preta geral e irrestrita, em todo o estado. Espera-se, em consequência do carnaval, “mais de 150 internações em leitos clínicos e mais de 50 em leitos de UTI, por dia”. O general tinha razão, de fato as estruturas de apoio estavam superestimadas pelos gestores. Anuncia-se “explosão de casos e de mortalidade e esgotamento do sistema de saúde”.

Como se isso não bastasse, hoje se sabe que 25% dos casos graves, após receberem alta hospitalar, acabam morrendo por sequelas da covid. Enfim, sobram especialistas em logística mas faltam leitos, respiradores, vacinas, e o governador Leite ainda nos surpreende ao declarar que a “equipe médica também adoece”.

O que fazer? Que moral tirar desta história triste?

Bom, primeiro, há que cair na realidade e buscar ajuda de especialistas.

O maior deles, dr. Miguel Nicolelis, interpreta que chegamos a este ponto em função do descaso e da ignorância de gestores incompetentes. Ele sugere ser responsabilidade de todos fazermos o possível para mudar estes gestores e reconstruir a república, com os serviços que lhe cabem.

De um lado, por inoperância, ignorância ou maldade de gestores que desprezaram o histórico de eficiência e capacitação do SUS, estamos diante de taxas de isolamento, diagnose e vacinação quase inúteis, de tão medíocres. As estruturas de combate às pandemias, a expertise nacional para produção e distribuição de vacinas, foram depredadas. Com profissionais de saúde desesperados na linha de frente, onde tudo falta, médicos da retaguarda, desrespeitosos à orientação da OMS e sob o silêncio dos conselhos de ética, endossam recomendações úteis tão somente para a desova dos absurdos estoques de cloroquina.

De outro lado, a covid avança a taxas assombrosas, com maior capacidade de disseminação e letalidade. E agora se soma à incidência sazonal de outras pandemias cíclicas, como a dengue, a chikungunya, as várias gripes e tudo que vem no rastro da fome.

Nestas condições, o que se desenha para este ano de 2021, e que não nos permitirá esquecer o governo Bolsonaro, é uma tragédia sem precedentes. Segundo Nicolelis, ocorrerão mais mortes do que as observadas em quaisquer 12 meses contínuos, ao longo dos genocídios praticados contra os indígenas e os povos escravizados, em outros tempos de barbárie nacional.

Nicolelis também sugere que, diante deste quadro e na ausência de governos dispostos a assumir responsabilidades cidadãs, republicanas, caberá ao povo fazer o que lhe for possível, para evitar o mal maior.

E que ações, ao povo se recomenda?

Bom, é claro que cabe a cada um e a cada uma de nós decidir se, quando e o que fazer. Mas também é certo que, juntos, teremos melhores resultados. Recomenda-se redobrar cuidados pessoais de higiene e saúde, ampliando ações de conscientização e solidariedade. Ficar isolado tanto quanto possível, mas apoiar campanhas voltadas ao enfrentamento e à superação da miséria, da fome e da desorientação que campeiam soltas entre famílias e grupos sociais abandonados pelos poderes executivos de âmbito municipal, estadual e nacional. Participar das ações por vacinas, renda emergencial e prisão dos responsáveis pelos estragos decorrentes da farsa a jato, bem como pela limpeza do que nos veio em sua consequência.

Muitas são as organizações envolvidas com estas atividades, que precisam de apoio para suas ações concretas ou de representação simbólica, em defesa dos direitos humanos e pelo impedimento dos descalabros cometidos no governo Bolsonaro.

Atenção, aqui a mensagem não é de luta e enfrentamento direto aos covardes, aos ignorantes, aos isentões e aos pobres de espírito. A luta para a qual todos estamos sendo chamados, a verdadeira luta, é contra a covardia, a ignorância e a apatia que também nos afetam, atuando dentro de nós. O enfrentamento da covid, da fome, do desgoverno, virá em consequência.

No fundo, como metáfora, considere-se o que todos sabemos: os ratos, as baratas, estão e estarão sempre por aí. Tendem a passar desapercebidos, nos cantos escuros, nos espaços que não usamos da nossa própria cidade. É do abandono destes espaços, da escuridão dos cantos em desordem e sem lei, que eles tiram a sensação de impunidade em que se apoiam para tamanha audácia e descalabro. Liberados, avançam sobre tudo que, por direito, é nosso.

Na sociedade ocorre algo parecido. Os golpistas, os milicianos, os vendedores de indulgências divinas e seus capangas, deixados livres, e alimentados pela sensação de impunidade, estão destruindo nosso país. Sabemos, de corações e mentes, que trata de mal provisório, temporário, com duração atrelada à nossa tolerância para com a ignorância, a covardia, a apatia com que estão infectando o Brasil. Daí a importância do alerta de Nicolelis e do chamado das organizações sociais, resumidos naquela palavra de ordem que nos brota alegre e incontida, a cada momento com mais força: Fora Bolsonaro!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira