DESCASO

Nas sombras dos barracões, artistas de Parintins sofrem com cancelamento do Carnaval

Prefeitura não dá respostas sobre repasse às agremiações. Em São Paulo, metade da mão de obra nas escolas é amazonense

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

Ouça o áudio:

"Eu peço que o povo continue se cuidando. Esse vírus já levou muitos parentes, muitos conhecidos de arte. Só vai ficar a lembrança e a saudade", diz o alegorista Bruno Castro Pimentel - Pedro Stropasolas

A festa mais popular do país segue sem definição de quando será realizada. Em São Paulo, a prefeitura havia inicialmente planejado adiar o Carnaval para julho, mas acabou cancelando a folia em 2021. 

Enquanto isso, a vida nos barracões das escolas de samba da capital paulista tem sido dura e triste para aqueles que costumam construir a festa. 

A incerteza é sentida principalmente pelos artistas que vêm de Parintins, no Amazonas. Eles representam metade da mão de obra dentro das escolas paulistanas. 

Só na Leandro de Itaquera, que está no Grupo de Acesso, são 11 artesãos amazonenses, mas só seis vieram até agora.

Assim como outras agremiações, a escola de samba da Zona Leste vem mantendo uma equipe reduzida para construir os moldes de fantasias e alegorias. O alegorista Bruno Castro Pimentel deixou Parintins em janeiro com a esperança da realização do desfile.

"Eu deixava um dinheiro para minha família, principalmente o dinheiro para a mãe da minha filha cuidar dela. Agora tá me fazendo falta. Até agora não consegui mandar nada porque está preso o dinheiro", aponta o trabalhador que tinha no auxílio emergencial a principal fonte de renda em 2020. 

A situação delicada é a mesma do colega Marco Aurélio Rodrigues de Souza, responsável pela soldagem dos carros alegóricos.

"A gente trabalha nesse ramo aqui, e de repente pra gente ir para outro trabalho, é toda uma adaptação. Eu coloquei currículo e não consegui. Em um ano, não consegui outro tipo de trabalho", aponta.

O deslocamento dos parintinenses para o Rio de Janeiro e São Paulo se tornou uma tradição do Carnaval.

Esculturas com proporções impecáveis, cores vibrantes e movimentos sincronizados são a marca destes trabalhadores, que dormem e se alimentam nos barracões, e chegam a trabalhar 16 horas por dia nas semanas que antecedem os desfiles.

O talento é construído pela influência do festival de Parintins, a festa dos bois Caprichoso e Garantido. O festival levava à cidade do norte do país quase 300 mil pessoas nos meses de julho e também teve as edições canceladas por conta da pandemia. 

"Como não teve Festival, a gente ficou sem emprego. Parintins é uma cidade pequena, então trabalho tem, mas é difícil. E como a gente depende muito do Festival, do Carnaval para sobreviver, eu posso dizer que foi uma parada dura para gente que vive da arte", explica Pimentel.

Saiba mais: No interior pernambucano, suspensão do Carnaval impacta trabalhadores da cultura

Segundo a direção da Leandro de Itaquera, que é responsável por custear passagens, alojamento e alimentação, a Prefeitura de São Paulo chegou a pagar parte da verba para a construção dos desfiles deste ano, o que permitiu a vinda de parte dos trabalhadores do Amazonas.

O repasse, porém, foi interrompido em 2021, sem nenhuma parcela paga até o momento. 

"A gente precisa, né, e vem com aquela certeza que ia ter. A gente chega aqui e tá nessa dúvida, e a gente fica numa preocupação a mais. A gente tem família, filhos. Trabalha aqui pra mandar pra lá", conta Marco Aurélio.  

Hoje, as ruas da Fábrica do Samba em São Paulo ainda mantêm as alegorias e os carros de outros carnavais. Na maioria das agremiações, a retomada tem sido tímida, após meses de trabalho paralisado.

A escola de samba Vai-Vai, que está no Grupo Especial e conta com mais recursos, consegue manter seis trabalhadores para confecção de fantasias-piloto. Nenhum deles, porém, é de Parintins. 

Chico Spinosa, Carnavalesco da escola, lamenta que a Prefeitura de São Paulo e a SP Turismo - empresa que administra o Anhembi -, não olhem para os trabalhadores do Carnaval, mesmo tendo "grandes momentos de faturamento" com os desfiles. 

Leia mais: Solitária, pobre, sórdida, brutal e curta: a vida humana para Bolsonaro

"O impacto é cruel com eles. Porque não são individuais, são famílias. Alguns da minha equipe recorreram a essa doação que o governo fez de R$600, depois R$300, e estão falando em um futuro de R$200, que não é nada para quem tem uma família, que não é nada para uma conta de luz que continua subindo, que não é nada com o que aconteceu este mês com o gás", aponta Spinosa.

"O Carnaval, enquanto não houver um olhar protetor maior, principalmente por causa da pandemia, ele só tem a perder. Porque é uma festa popular. E quanto mais você tiver elementos criativos do Brasil, mas popular a gente faz essa festa", completa.

Outro lado

Em nota enviada à reportagem, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo da Prefeitura de São Paulo afirma que "firmou contrato no final de 2020 para a distribuição de recursos às escolas de samba visando o carnaval em julho deste ano. Com o cancelamento do carnaval 2021 oficializado em 12 de fevereiro, serão estudadas alternativas para a aplicação dos recursos nos desfiles de 2022".

O Brasil de Fato entrou em contato também com a SP Turismo e com a Liga das Escolas para saber as medidas que serão adotadas para proteger os trabalhadores das escolas de samba, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem

 

 

Edição: Raquel Setz