Exclusão

Prefeitura de SP retira pedras de dois viadutos, mas mantém obra semelhante no Brás

Bancos com divisórias, praças gradeadas e rampas inclinadas em viadutos são técnicas de exclusão encontradas em SP

São Paulo |
A prefeitura desfez a obra na zona leste, porém o mesmo tipo de instalação existe em outros locais da cidade, como no viaduto da rua Caetano Pinto no Brás. - Vanessa Nicolav

Grades, tapumes, bancos com divisórias, rampas inclinadas e pedras instaladas debaixo dos viadutos. Essas são algumas técnicas de planejamento urbano utilizadas para evitar a presença de pessoas em situação de rua em certos locais da cidade.

A estratégia ficou conhecida na semana passada quando o coordenador da Pastoral do Povo de Rua, o padre Júlio Lancelotti, foi retirar a marretadas uma dessas obras, que estava instalada na Zona Leste de São Paulo. A prática, porém, está longe de ser isolada e possui até nome: arquitetura da exclusão. 

Luiz Kohara, engenheiro civil e integrante do Fórum Nacional de Reforma Urbana, informa que a tática não é novidade. 

"É uma prática muito recorrente das gestões públicas. Em vários lugares, por exemplo, quando eles fecham embaixo do viaduto, a primeira coisa que fazem é deixar meio inclinado as beiradas. É todo um desenho urbano para evitar que as pessoas possam se acomodar. Acomodar no sentido de descansar. Como se elas não merecessem nem o descanso, porque não é nem um privilégio você ficar deitado num banco".


A prefeitura desfez a obra na Zona Leste e atribuiu a responsabilidade a um funcionário, que foi exonerado do cargo. Porém, o mesmo tipo de instalação existe em outros locais da cidade, como o viaduto da rua Caetano Pinto, no bairro do Brás.

Representantes do movimento de pessoas em situação de rua afirmam que a técnica busca remover as pessoas em vulnerabilidade das áreas centrais e que o resultado é o agravamento de um problema que não é enfrentado pelo poder público.

"Eles tentando tirar a população em situação de rua do centro da cidade, eles estão fazendo um genocídio com essa população. Porque na periferia, os que moram lá já não têm como se sustentar, quanto mais as pessoas em situação de rua, se forem levadas para lá", afirma Robson Correia de Mendonça, presidente Movimento Estadual de População em Situação de Rua.

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Conforme o censo da prefeitura, feito em janeiro do ano passado, 24 mil pessoas viviam nas ruas de São Paulo. Já o  movimento estima que, com a pandemia, hoje o número deve chegar a cerca de 50 mil pessoas.

Do orçamento da assistência social previsto para essa população no Plano de Metas da prefeitura, apenas 7,4% foi gasto.

"Onde está a proteção especial da secretaria de assistência, que proteção especial é essa onde temos pessoas idosas, deficientes, dormindo nas calçadas porque não conseguem abrigo? Onde está a proteção especial para famílias com crianças que estão dormindo nas calçadas tentando um abrigo e não conseguem?", questiona Mendonça.


Uma das pessoas que dependem de locais de abrigo em espaço público é Sidney Ribeiro. Para ele, em vez de perseguir, a prefeitura deveria oferecer lugares mais seguros para essa população se estabelecer.

"Eu acho que é uma covardia, porque você depende do lugar. Por que a prefeitura de repente não abre um campo, com policiamento e tudo, para você montar sua casa e ficar ali fixo?", diz Ribeiro.

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Para Luiz Kohara, o primeiro passo para se discutir o problema é começar pela garantia do direito mais básico: a moradia. "Eu vejo que não dá pra discutir essa realidade sem discutir a questão da habitação. Por que as pessoas vão para baixo do viaduto? Porque na verdade elas buscam uma proteção, é o que uma habitação te dá, no mínimo." 

Para minimizar os efeitos da pandemia, a prefeitura assinou uma lei que liberaria cerca de 2 mil vagas de hotéis para hospedar pessoas em situação de rua. Porém, segundo informação das lideranças do movimento de pessoas em situação de rua, até o momento, cerca de 450 vagas foram de fato oferecidas. 

O Brasil de Fato procurou a Prefeitura de São Paulo mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
 

Edição: Raquel Setz