O escandaloso caso de assédio sexual sofrido pela atriz Dani Calabresa, nos Estúdios Globo, em 2020, escancarou a omissão das empresas de mídia em lidar com a violência e o assédio no local de trabalho e requer atuação mais incisiva dos sindicatos e do Ministério Público do Trabalho. Há poucos dias, a coluna da jornalista Mônica Bergamo noticiou que oito mulheres formalizaram denúncia contra o ator Marcius Melhem. A promotoria pode recomendar a abertura de inquérito criminal e a adoção de medidas cautelares.
No Brasil, a humorista Dani Calabresa foi vítima de assédio sexual escancarado e desavergonhado, repetidas vezes, conforme relatou em detalhes a colegas e a várias instâncias da TV Globo. A emissora ignorou o caso, segundo reportagem da Revista Piauí. A atriz adoeceu, perdeu trabalhos e saiu do país. Se o caso ocorreu com uma atriz branca, famosa e rica, podemos imaginar quantas mulheres pobres, sobretudo, negras, com contratos de trabalho vulneráveis, como as terceirizadas, as MEI e as PJ, silenciam-se.
Para casos de assédio e violência, é urgente que empresas de comunicação enfrentem o debate de gênero, raça e classe a partir de uma organização coletiva. O “compliance” da TV Globo, mecanismo para combater práticas ilegais ou irregulares, não teve efeito nenhum no caso das funcionárias vítimas de assédio na emissora, a não ser o de permitir que os avanços sobre Dani continuassem. O agressor não se sentiu constrangido, certo de que a imunidade que, na forma de privilégio, é, historicamente, conferida aos homens cisgêneros - sobretudo, brancos e ricos -, o safaria.
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As vítimas, por outro lado, contrataram uma consultoria privada especializada para representá-las judicialmente. Aqui, fica claro que assédio sexual não é algo que acontece individualmente. Na TV Globo, envolveu, ao menos, oito mulheres, subordinadas ao mesmo chefe, Melhem.
Porém, a contratação de assessoria privada reafirma a desigualdade de classe e o apagamento do movimento sindical nesta mediação.
Ainda que combalidos pela Reforma Trabalhista e pela crise econômica que deixaram entidades à beira da falência, os sindicatos têm o papel legal de mobilizar e oferecer assistência às vítimas. Da mesma forma, têm o dever de cobrar das empresas medidas concretas de combate ao assédio e às violências.
No caso da gigante TV Globo, é urgente que se unam os sindicatos dos jornalistas, de radialistas e de artistas para notificar a emissora e o Ministério Público do Trabalho (MPT). Temos que propor, no mínimo, um protocolo aditivo à convenção coletiva para o combate ao assédio, ao racismo, à LGBTIfobia e a todas as formas de discriminação, com a participação ativa dos sindicatos. No documento, devem constar prazos e multas por descumprimento, valor que deve ser convertido em um fundo emergencial para trabalhadoras da comunicação desempregadas e em situação de vulnerabilidade social, por exemplo. A maioria da categoria de jornalistas é de mulheres, gênero mais afetado pela pandemia, conforme alerta a ONU Mulheres. Isso sem falar em reforçar o apoio e a assistência jurídica às vítimas nos estúdios de rádio, de televisão e redações de jornais.
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Há anos, as empresas de mídia, no Rio de Janeiro, barram cláusulas de promoção de equidade de gênero e de raça e de combate ao assédio nas convenções coletivas de trabalho. Essas são as primeiras propostas dos sindicatos a serem limadas das mesas. Para reverter essa disparidade nas negociações, o Ministério Público do Trabalho tem papel chave.
Em outras partes do mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) indica que o número de casos de assédio é menor nos países em que o empregador é obrigado a adotar medidas para prevenir o assédio sexual. E são menores porque há toda uma estrutura para acolher a vítima, formalizar a denúncia e evitar que o caso seja abafado, como foi nos Estúdios Globo.
No Brasil, apenas 19% das empresas combatem a violência contra a mulher, segundo o levantamento Violência e Assédio contra a Mulher no Mundo Corporativo, dos institutos Maria da Penha, Vasselo Goldoni e o Talenses Group. O resultado é que, ao todo, 12% das mulheres ouvidas empesquisa declararam já terem sido vítimas de agressão sexual. Sete em cada dez trabalhadoras ainda foram alvo de humilhações como xingamentos e insinuações sexuais no trabalho, revelou o Instituto Patrícia Galvão.
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A forma como a TV Globo lidou com os casos de Dani Calabresa – e, precisamos lembrar, de José Mayer, além do racismo de William Wack – são uma demonstração do que não deve ser feito.
Não aceitaremos o silêncio. Ele permite que práticas machistas, LGBTIfóbicas e racistas sejam incorporadas às relações de trabalho. Encerrar contratos como se nada tivesse acontecido, não rever procedimentos, não envolver as categorias, tudo faz parte da mesma estratégia de evitar escândalos, proteger o próprio lucro e safar agressores, como tem sido feito há anos.
E lembre-se: o assédio nunca é culpa da vítima.
*As autoras do artigo são jornalistas. Andréa é também radialista e dirigente sindical.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rogério Jordão