Um coletivo de blocos carnavalescos de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, divulgaram, nesta quarta-feira (27), uma nota em que pedem apoio dos governos para a manutenção financeira dos profissionais que não terão sua renda garantida este ano devido ao cancelamento do carnaval em todo o Brasil em decorrência da pandemia de covid-19.
"Mesmos os recursos vindos através da Lei Aldir Blanc foram insuficientes, tanto porque se voltavam ao setor cultural como um todo, quanto porque, sobre os valores recebidos, recaíram pesados impostos restando quantias tímidas frente aos gastos necessários", destaca o documento. A carta é assinada pelos grupos Chama o Síndico, Então Brilha, Havayanas Usadas, Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro, Sagrada Profana e Samba Queixinho.
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Confira a carta na íntegra.
“Roncou, roncou
Roncou de raiva a cuíca
Roncou de fome
(…)
A fome não dá pra interromper”
(Ronco da Cuica - João Bosco)
Depois de ter fundado uma das maiores escolas de samba do país e ter sido gravado pelos maiores nomes da música da época, ele desapareceu da cena artística até ser reconhecido por um importante jornalista lavando carros na garagem de um prédio. O encontro mudou a vida do sambista e da música brasileira.
Essa é a história de Cartola, mas parece ser a de tantos artistas do carnaval da nossa cidade que, para manterem-se vivos nesta pandemia, abandonaram suas profissões para trabalhar em subempregos como uber e entregadores de aplicativo. Isso quando não mudaram completamente de vida indo morar na roça.
Com a inviabilidade de se realizar a festa neste ano somado ao encerramento do auxílio emergencial, a coisa se complica ainda mais. Já faz alguns anos que os trabalhadores do carnaval contam com a renda gerada em janeiro e fevereiro. Não se trata de receita extraordinária, mas sim de dinheiro que entrava na previsibilidade orçamentária das famílias para o ano inteiro.
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Diante desse cenário, chama a atenção a completa omissão do poder público — e mesmo do setor privado que tem sido largamente beneficiado pelo renascimento da festa em nossa cidade.
Seja no âmbito municipal, seja no estadual, nada tem sido feito a respeito de uma subvenção para a sobrevivência dos trabalhadores da cadeia produtiva do carnaval sem os quais não há blocos de rua, blocos caricatos e escolas de samba.
Mesmos os recursos vindos através da Lei Aldir Blanc foram insuficientes, tanto porque se voltavam ao setor cultural como um todo, quanto porque, sobre os valores recebidos, recaíram pesados impostos restando quantias tímidas frente aos gastos necessários. Além disso, a falta de especificidade à realidade do carnaval constitui-se outro complicador para acessar os valores.
É ilusão achar que esses recursos — diga-se, de origem federal — foram capazes de prestar a necessária manutenção da cadeia produtiva do carnaval aqui pretendida. Quando muito, deram breve alívio às dívidas já acumuladas.
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Tanto é assim que a prefeitura do Rio de Janeiro — que também distribui recursos da Lei Aldir Blanc — prometeu lançar edital de manutenção específico para o carnaval.
É injusto que a prefeitura e o governo do estado tenham arrecadado tantos impostos com o renascimento do carnaval de rua, mas no momento de dar um mínimo de suporte àqueles que foram os protagonistas deste fenômeno, nada façam.
O mesmo ocorre com grandes empresas produtoras de cerveja que assistiram seu lucro aumentar ano após ano, mas agora sumiram.
Conforme levantamento feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe, o carnaval de 2018 gerou para o município de Belo Horizonte:
– Movimentação de R$ 290 milhões;
– Impacto de R$ 165 milhões no PIB;
– R$ 12 milhões em impostos indiretos líquidos;
– Mais de 6.500 empregos
São números que vêm numa crescente como mostram dados no Ministério do Turismo via Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo — CNC, que dão conta de que o estado de Minas Gerais teria recebido, no carnaval do ano passado, uma injeção em sua economia da ordem de R$ 749,8 milhões com ocupação da rede hoteleira em 80%, estimativa de público de 5 milhões, número de blocos de rua: 453 e ambulantes cadastrados: 14.696 — tudo isso só em BH.
Chama a atenção a completa omissão do poder público municipal e estadual
E isso, sem falar no legado de dimensão cultural que envolve não apenas a formação e capacitação de músicos, passando pela criação artística de fantasias, adereços, cenografia etc, mas também alcança um sentido essencial para a vida em sociedade: afirma-se uma identidade das pessoas com a cidade onde vivem num senso de pertencimento cujos benefícios extrapolam em muito os aspectos puramente financeiros.
Mesmo que não fosse por uma razão moral, não é, estrategicamente, producente a médio prazo asfixiar aquelas pessoas que logo em seguida irão proporcionar novamente mais ganhos em impostos e receitas.
Na hora de morder uma beiradinha, todo mundo canta o alalaô ooooo, mas na hora de dividir o quinhão é o Ô abre alas que eu quero passar — batido — que impera.
No mês em que Minas Gerais é eleita pelo Traveller Review Awards 2021 um dos dez destinos turísticos mais acolhedores do mundo, é paradoxal que, precisamente, não cuidemos dos nossos. Para os de fora, tudo, para os de casa, nada.
Podemos nos dar ao luxo de ver o carnaval de rua de BH morrer mais uma vez?
Vamos repetir os erros históricos e, mais uma vez, deixar de valorizar o que de melhor temos como aconteceu com o Cartola?
A cuíca que, hoje, está roncando de fome, se nada for feito, vai se calar e BH voltará a ser o “túmulo do samba” no carnaval de 2022.
Assinam esta carta:
Chama o Síndico
Então Brilha
Havayanas Usadas
Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro
Sagrada Profana
Samba Queixinho
*Esta é uma carta com conteúdo opinativo. A visão de seus autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida e Camila Maciel