Com localização privilegiada e grandes profundidades de navegação, a cobiçada orla de São Luís, no Maranhão, tem sofrido os intensos impactos socioambientais das atividades econômicas realizadas, especialmente, no complexo portuário da capital, que tem recebido cada vez mais atenção de investidores nacionais e internacionais.
Em contraponto ao aclamado potencial econômico da costa de São Luís, estão consequências como a elevação da poluição atmosférica apontada por um estudo inédito publicado na revista Sociedade e Natureza em novembro de 2020. Em todos os anos analisados, de 2013 a 2016, a região portuária de São Luís atinge níveis elevados em até 110% acima do permitido pelas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
De acordo com a Empresa Maranhense de Administração Portuária (EMAP), as conexões com a Estrada de Ferro Carajás e a localização estratégica no chamado Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), principal fronteira agrícola do país, garantem ainda mais potencial econômico à região.
Doutor em Geografia Física, o professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Juarez Mota Pinheiro é um dos responsáveis pelo estudo e aponta a movimentação de carga do minério de ferro como a principal responsável por gerar poluição atmosférica nessa região.
“A gente avalia que é atribuído à movimentação de carga do minério de ferro que chega por trem e depois é transportado para dentro dos navios, principalmente os navios que vão para a China, que é o principal comprador desse minério. Essa movimentação de carga acaba gerando uma elevada poluição, que a pesquisa então identificou para essa região”, aponta Pinheiro.
Porto da Vale
Para se ter uma dimensão da movimentação, somente um dos três portos instalados na região é o Terminal Marítimo Ponta da Madeira (TMPM), da Vale, um dos maiores exportadores de minério do mundo. Ele abastece hoje oito viradores de vagões, que recebem os volumes de minério de ferro e manganês transportados pela Estrada de Ferro Carajás. Cada virador possui capacidade para descarregar 8 mil toneladas por hora e calcula-se que de janeiro a dezembro de 2020, foram embarcadas 191,2 milhões de toneladas de minérios.
O estudo analisa dados a partir do ano de 2013, e em 2015 é registrado o pico de 110% de poluição acima do permitido. É justamente em outubro do mesmo ano que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) aumentou o limite permitido para a emissão de poluentes atmosféricos pela Usina Termelétrica (UTE) do Porto do Itaqui – outro mega porto instalado na região.
Em razão da alteração na licença, em 2016 o Ministério Público Federal do Maranhão propôs ação contra o Ibama e a UTE, onde, além da suspensão, requereu a correção dos níveis de emissão de poluentes e, caso ultrapassasse os limites estabelecidos, que acatasse medidas corretivas exigidas pelo Ibama, incluindo eventual paralisação das atividades.
Complexo Termoelétrico Parnaíba
Já o Mapa de Conflitos da Fio Cruz aponta que comunidades impactadas pela implementação do Complexo Termoelétrico Parnaíba, de responsabilidade do grupo OGX, atual Eneva S.A, exigem medidas de compensação e mitigação e indenizações por danos morais coletivos, em razão dos impactos socioambientais causados, entre eles as poluições de recursos hídricos, do solo, sonora e a atmosférica.
Estima-se que cerca de 200 mil pessoas vivem nessa região, com grandes chances de desencadearem doenças respiratórias agudas e crônicas, como explica o doutor em Pneumologia e professor da UFMA, Alcimar Nunes.
"As regiões onde a poluição atmosférica extrapola os níveis preconizados, as pessoas tem uma prevalência maior de crises de asma, portanto é esperado que as pessoas com doenças respiratórias que vivem em áreas de poluição exagerada tenham um aumento das doenças agudas, compareçam mais a prontos socorros, como também doenças crônicas", aponta Nunes.
Movimentos sociais e grupos de estudos ampliam constantemente o número de denúncias por conflitos socioambientais na região, a exemplo do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).
Fiscalização da emissão de poluentes
O advogado Guilherme Zagalo, que junto ao GEDMMA acompanha comunidades impactadas, explica que deveria haver maior fiscalização e controle da emissão de poluentes na região.
"É absolutamente necessário que os órgãos ambientais licenciadores, a SEMA e o Ibama, iniciem um processo de monitoramento de cada empreendimento na região, em especial a Vale, Inepe e a própria Emap, para identificar os responsáveis e determinar medidas para a redução desses níveis, sem prejuízos das sanções legais. Deveria também ser decretada uma moratória do licenciamento de novos empreendimentos na região, até que os limites legais de emissão de poluentes sejam obedecidos", defende Zagalo.
De acordo com o professor Juarez, os únicos equipamentos de monitoramento dos níveis de poluição na cidade pertencem à própria agente poluidora, a Vale. Ao longo da pesquisa, foram detectadas inclusive falhas ou inconsistência em alguns dados.
“Nem a Prefeitura, nem o Estado fazem o monitoramento. A lei ambiental exige que a Vale, nesse caso, instale esses equipamentos para monitorar a qualidade do ar. Então ela o faz não por boa vontade, mas por uma obrigação legal, uma obrigação da lei. Ela é obrigada a fornecer os dados à Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão e eu consegui os dados brutos, que não tem nenhum tipo de análise”, afirma.
Consultado pelo Brasil de Fato, o superintendente de Monitoramento e Planejamento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Maranhão, Breno Joca, explica que os dados não refletem o cenário atual e que as empresas são alertadas em casos de elevação dos níveis de poluição.
“O estudo apresenta dados de 2013 a 2016, que não necessariamente refletem o cenário atual. Vistos os pontos fora da curva, foram levados a conhecimento das empresas para que fossem adotadas medidas corretivas, como reavaliação de processos de controle ambiental, umectação de pilhas com polímero para ter melhor aglomeração de partículas e proteção de correias transportadoras para evitar a dispersão desses materiais”, analisa Joca.
Resposta da Secretaria
Questionada sobre a situação atualizada, bem como ações de contenção dos níveis de poluição, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Maranhão encaminhou ao Brasil de Fato um cadastro online, onde após cadastro e autenticação, é possível preencher um formulário de solicitação ao acesso dos dados, que são encaminhados brutos, após prazos que podem ultrapassar um mês, dificuldade encontrada também pelos pesquisadores.
Para o pesquisador, “não há grandes modificações do quadro de 2016 aos dias de hoje, a única diferença é a movimentação de carga, você vai ter um ano que vai ter maior movimentação da carga e outro ano um pouco menos. E mantendo o quadro médio identificado, continua a mesma situação. Os volumes de poluição atmosférica por particulados inaláveis, eu diria que o quadro permanece o mesmo”, esclarece.
Resposta da Vale
Já a Vale afirma em nota que, nos últimos anos, otimizou o monitoramento e controle da qualidade do ar, com monitoramento automatizado e online 24h por dia, um plano diretor ambiental dedicado à redução de particulados com mecanismos de controle, como lavagem e umectação de vias e acessos pavimentados e não pavimentados, controle de velocidade em vias de tráfego, sistema de aspersão nos viradores de vagões, correias e casas de transferências e umectação de pilhas de minério com uso de polímeros.
Sobre os atuais níveis de poluição atmosférica, a empresa informa que "essas ações de controle e mitigação, bem como as de gestão, reforçam os resultados obtidos na qualidade do ar no último ano, atendendo a legislação ambiental vigente, com resultado 15% abaixo do limite legal preconizado".
Edição: Camila Maciel