Alerta no campo!

Doença ainda desconhecida pelos agricultores faz milho apodrecer antes da colheita

Segundo pesquisadores, o problema teria origem no uso de agrotóxicos e das sementes transgênicas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Imagens foram divulgadas em alerta emitido pela CCGL aos produtores - Recorte/RTC-CCGL

Agricultores familiares da região do Alto Uruguai, no Rio Grande do Sul, em municípios ao redor da cidade de Erechim, perceberam uma estranha doença que acomete o milho já na formação da espiga. Os grãos, ao invés de se formarem adequadamente, ficam escuros e apodrecem. O problema já foi identificado também em Santa Catarina e no Paraná. Alguns citam perdas superiores a 20% de suas lavouras, o que causa um prejuízo significativo. Outros falam em até 60% de perdas, além da péssima qualidade dos grãos ou da silagem resultante das plantas atingidas. 

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A Rede Técnica Cooperativa (RTC) da Central das Cooperativas Gaúchas de Leite (CCGL) – uma das principais empresas multiplicadoras de sementes de milho no RS, as chamadas “sementeiras” –, emitiu “alerta” e orientação para os produtores e assistentes técnicos dizendo tratar-se de “enfezamento”, que seria causado por vírus, bactérias e fungos transmitidos pela cigarrinha, um inseto comum na cultura do milho. A empresa diz ainda que os sintomas aparecem após o florescimento, provocando “morte prematura da planta, redução do tamanho da espiga, enchimento incompleto dos grãos, morte de espigas, chochamento dos grãos e tombamento das plantas”, o que seria ocasionado por “fungos oportunistas Pythum e Fusarium”. A empresa recomenda intervenção química ou biológica com intervalos de 5 a 7 dias. Reconhece, porém, que não há o que fazer depois da área infestada.

Quando os agricultores percebem, há pouco a fazer. Uma das intervenções químicas recomendadas é através de inseticidas a base de “neonicotinóides”, um dos agrovenenos já identificado como responsável pelo extermínio de abelhas e, por isto, já proibido em muitos países. 

Hélio Mecca, agricultor e dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), de Chopinzinho (PR), relata que surge “uma doença no miolo do pé, cai e não dá nada, o que se colhe é um milho de péssima qualidade e perde muita produtividade”. O dirigente sindical José Valério Cavalli, Secretário Geral do Sindicato Unificado da Agricultura Familiar do Alto Uruguai (Sutraf/AU), de Itatiba do Sul (Rio Grande do Sul), informa que “na formação da espiga, quando está se formando o grão, o problema aparece e o pé morre”. Outros relatos de agricultores falam em plantas fracas, pouco desenvolvidas e com espigas mal formadas, com mofo, grãos chochos ou podres. “Além da estiagem e da falta de apoio do governo, agora mais este problema”, desabafa Mecca.

De acordo com informações que chegam através de sindicatos, lideranças de movimentos sociais e técnicos de campo, as variedades mais afetadas são o Dekalb 230, o Agroeste 1666, o Agroceres 9025, Morgan 699 e algumas variedades da Pionner. Todas transgênicos, com os transgenes Bt e RR, precoces e super precoces. “Estas variedades foram apresentadas aos agricultores como 'top de linha' pelas empresas e o preço cobrado pelas sementes foi muito elevado”, afirma o sindicalista José Cavalli.

Não há informação de nenhuma semente de variedade de milho crioulo afetada. Aparentemente, o fenômeno é conhecido e comum: presença do inseto chamado cigarrinha (Dalbulus maidis), infectando e transmitindo vírus, bactérias e fungos. O que não se sabe ainda, com segurança, é quais são estes micro-organismos e porque a agressividade com que se comportam, já que este tipo de impacto sobre a produção é novo, não é comum, entre os agricultores. Também impressiona a velocidade com que se propaga e a baixa capacidade imunológica apresentada pelas variedades afetadas em contraposição com as variedades crioulas e não transgênicas.

Segundo o professor Rubens Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina, doutor em Genética pela Universidade da Califórnia, “este é um fenômeno que deve ser estudado com atenção. A ocorrência cada vez mais frequente de sintomas que aparecem antes da maturação, como secamento, quebra de plantas e podridão na espiga, parte deles atribuídos ao enfezamento no milho, é mais um alerta de problemas que emergem do sistema agrícola usado na produção de milho.

Há uns 20 anos atrás, muitos cientistas não conheciam e nem tinham como prever os possíveis efeitos da transgenia em plantas. No entanto, vários afirmaram que os piores problemas seriam “os imprevistos”. Aqueles que ocorrem em plantas transgênicas e não nas não transgênicas e não tinham sido previstos. Estes problemas não serão os últimos, mas os danos certamente recaem sobre o produtor. Assim espera-se que os pesquisadores, em particular os fitopatologistas, contribuam para a avaliação holística do que está acontecendo. Cabe uma de tantas perguntas: quanto o sistema de cultivo utilizado e a transgenia contribuem para os problemas citados?”


Agricultores que já foram castigados pela seca, agora têm prejuízos por conta da doença em seu milho / FETRAF

Um fato chama atenção: variedades de milho crioulo não apresentam sintomas da doença

De acordo com o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas (RS), Irajá Antunes, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade de São Paulo (USP), “quando se trata de germoplasma crioulo, mais precisamente, de variedades crioulas, em princípio, por sua intrínseca variabilidade genética, as mesmas apresentam uma significativa capacidade de tolerância frente a fenômenos naturais que possam ser detrimentais às mesmas (maior resiliência), dentre os quais, a ocorrência de doenças, como no presente caso”. Antunes explica ainda que “tal resiliência é fruto dos processos de seleção natural que ocorrem a partir das interações dessas populações de plantas com os ambientes onde são cultivadas, interações estas que são permanentes e dinâmicas”.

Luís Dalla Costa, dirigente do MAB e da Via Campesina, que vem acompanhando a situação, entende que as “empresas de sementes são as responsáveis por venderem como excelentes, sementes que causam enormes perdas aos agricultores e devem indenizá-los por estes prejuízos”.

Rui Valença, Coordenador Geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – Fetraf/RS, que tem acompanhado de perto a situação, entende que o grande problema é o modelo de produção do agronegócio que é imposto aos agricultores, uma vez que “todo ano surgem novas doenças, novas pragas, novas plantas invasoras resistentes”. Valença aponta que há um desequilíbrio causado pelos venenos, chamados equivocadamente de “remédios”. Para ele, “as plantas transgênicas têm sua estrutura alterada, pouca resistência, o que torna fácil a infestação de pragas, abre a porta de entrada para inúmeras doenças”. Valença, que afirma ainda que é “preciso fazer um grande debate sobre que tipo de produção de alimentos a sociedade quer”, informa que a Fetraf está solicitando análise de laboratório e identificando a forma de responsabilizar as empresas para que os agricultores sejam ressarcidos em seus prejuízos.

Josuan Schiavon, engenheiro agrônomo, mestre em Produção Orgânica e Agroecologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), defende o uso das sementes de milho crioulo e varietais como a principal alternativa para os pequenos agricultores. “O principal problema da produção dos crioulos e varietais, que é a lagarta do cartucho, tem várias soluções através do controle biológico, como por exemplo, o uso do Bacillus thuringiensis ou a vespinha Trichograma. “A qualidade nutricional de um milho crioulo é melhor, o alimento que vem dele é saudável, o custo da semente é menor e o agricultor pode guardar para o ano seguinte”, aponta Schiavon, acrescentando ainda que “a produtividade, como temos constatado, pode ser alta, se assemelhando a alguns transgênicos”. Para ele, levando em conta os prejuízos que estão aparecendo agora, “o milho crioulo produz mais, tem um custo benefício melhor, já que tem alta qualidade e baixo custo de produção”.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko