Ponto de destaque nas disputas nacionais, a corrida rumo à presidência da Câmara dos Deputados volta a mexer com o cenário político neste começo de 2021, quando um novo nome deverá ser eleito para suceder Rodrigo Maia (DEM-RJ) e conduzir a instituição no próximo biênio. O cargo é um dos mais estratégicos do país especialmente porque o ocupante da cadeira tem o poder de bater o martelo sobre as pautas que irão à votação no plenário da Casa, a chamada “ordem do dia”, uma espécie de cereja do bolo do jogo político.
O analista e consultor político Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), lembra ainda, por exemplo, que as principais proposições legislativas têm a Câmara como porta de entrada, ou seja, como primeira Casa de avaliação da medida. Não sendo chancelada pelos deputados, uma pauta tende a não prosperar. Esse rito ajuda a dar importância para o cargo de presidente, principal articulador político e regente do chamado “colégio de líderes”, que aglutina os cabeças de todas as bancadas partidárias.
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“Além disso, ele tem o poder da palavra, de passar a palavra, distribuir para relatores as matérias de plenário, conduzir os acordos. É chefe de Poder também, então, ele tem muito poder constitucional e regimental dos quais ele pode usufruir diretamente ou delegar pra que terceiros possam exercer”, acrescenta Queiroz.
Isso se dá porque o titular do cargo lidera a chamada “mesa diretora” da Casa, responsável por todos os trâmites administrativos e legislativos. Juntamente com a mesa do Senado, o órgão responde pela promulgação de emendas à Constituição e pode propor mudanças no regimento interno da instituição.
O presidente também integra o Conselho de Defesa Nacional e o Conselho da República. Este último delibera, por exemplo, sobre a necessidade de se decretar intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. O líder máximo da Câmara tem ainda a prerrogativa de encaminhar as conclusões das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) da Casa para outros órgãos, estimulando o surgimento de medidas a serem tomadas diante das acusações em questão.
O presidente da Câmara também tem acesso a um orçamento anual de valores astronômicos – em 2020, por exemplo, foi de R$ 6,2 bilhões. Recebe o mesmo salário que os demais deputados, atualmente de R$ 33.763, mas tem o diferencial de morar em uma mansão, a “residência oficial”, e pode contar com um jato da Força Aérea Brasileira à sua disposição.
O analista de risco político Creomar de Souza pontua ainda que, dentro da configuração das principais instituições brasileiras, a Câmara costuma ter mais voz que o Senado. “Quando você tem algum tipo de discordância entre as Casas, prevalece a posição da Câmara em contraposição à do Senado. Isso quer dizer que a vontade popular é maior que a vontade dos estados – o Senado representa os entes da Federação, enquanto a Câmara representa a população, proporcionalmente”.
Por conta disso, o líder máximo da Câmara é o segundo na linha sucessória do chefe do Executivo, ficando atrás apenas do vice-presidente da República. A prerrogativa está prevista na Constituição Federal de 1988. “Tudo isso é importante. E precisamos lembrar que, numa democracia de baixa qualidade como a brasileira, sempre é possível vislumbrarmos situações em que o presidente da Câmara suba um degrau na linha sucessória. Vimos isso no passado recente”, resgata Souza.
Perfil
E, para além das questões mais ideológicas e das disputas partidárias durante as eleições internas, o que credencia um parlamentar a ser considerado pelos pares como um potencial presidenciável? Para Souza, a questão tem relação com a capacidade de lidar com a diversidade e a construção de consensos.
“Temos 513 deputados. Nenhum partido hoje no Congresso tem mais de 70 parlamentares como representação. Isso faz com que qualquer candidato, para atingir o número necessário de votos, precise fazer uma enorme costura que envolva partidos diferentes, deputados com perfis diferentes e interesses distintos”.
Diante disso, o cargo de presidente da Câmara acaba sendo visto também como uma espécie de trampolim para alçar outros voos na arena política. A aventura pode dar a um ex-chefe da Casa a oportunidade de se tornar prefeito de uma capital de relevância no cenário político, governador do seu estado de origem ou mesmo abrir o caminho para a participação em uma chapa de presidente da República.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com Michel Temer (MDB). O emedebista presidiu a Câmara entre 1997 e 2001, ganhou visibilidade e, mais adiante, credenciou-se dentro do partido como o indicado para integrar a chapa de Dilma Rousseff (PT) na então composição.
Os presidenciáveis da Câmara, em geral, costumam ainda ser parlamentares que entendem do funcionamento da Casa, dominam relativamente bem o regimento interno e são vistos pelos outros deputados como alguém que cumpre acordos – uma linha fundamental no novelo das negociações e dos imbróglios políticos.
“Também costumam ser escolhidos nomes de partidos que têm uma linha ideológica clara. Você pode observar que, em geral, os presidentes eleitos vêm daí. E é raro ainda se ter candidatos que não tenham importância política no jogo. Isso é um critério importante porque se está elegendo um chefe de Poder da República”, assinala Queiroz.
Impeachment
Uma das prerrogativas do cargo de presidente da Câmara é ainda o poder de dar sinal verde para pedidos de impeachment do chefe do Executivo. Em um cenário como o atual, por exemplo, em que Jair Bolsonaro (sem partido) acumula mais de 50 propostas dessa natureza engavetadas na Casa, o elemento ganha relevância em meio às disputas políticas.
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“Caso, no pior dos cenários, o governo tenha presidentes da Câmara e do Senado hostis a ele, a situação tende a se tornar muito grave, então, o poder de dar andamento a um pedido de impeachment conta. Isso tem muito peso no próximo biênio. Lembrando que 2021 é o ano em que as forças políticas vão se articular para aquilo que vem a ser a eleição ano que vem”, realça Creomar de Souza.
Edição: Rogério Jordão