Nós estamos no meio de uma epidemia, sem perspectiva de melhora
Na última semana de 2020, o Brasil completou um mês registrando números superiores a 4,5 mil mortes de covid-19 por período. O total de novos casos relatados se manteve acima dos 250 mil a cada sete dias, próximo dos piores patamares já observados no país desde o início da pandemia de coronavírus.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o ano se encerrou com mais de 750 mil pessoas contaminadas em observação.
Entre os dias 29 e 31 de dezembro, houve registros diários de mais de mil óbitos consecutivamente. Cenário semelhante não ocorria desde agosto. As perspectivas para o combate à pandemia em território nacional em 2021 não dão indicativos de que a situação pode melhorar. O país continua sem data para a vacinação e o presidente Jair Bolsonaro segue incentivando que a população não pratique o isolamento social.
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No dia 1º de janeiro ele fazia um passeio de lancha na Praia Grande, em São Paulo e se jogou no mar, nadando em direção a um grupo de banhistas. Dezenas de pessoas se aglomeraram em volta do presidente para tirar fotos e cumprimentá-lo. Três dias depois, ele foi novamente à praia, andou pela areia sem máscara e voltou a saudar apoiadores.
O país pode iniciar o ano vivendo as consequências de aglomerações em festas de Natal a Réveillon, viagens e da adesão cada vez menor a medidas de distanciamento. Além disso, já enfrenta a chegada da nova variante do coronavírus, que teria potencial de transmissão maior. Nó primeiro dia útil do ano (segunda-feira, 4), foram confirmados dois casos da chamada B.1.1. em São Paulo.
Na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (Pnad Covid-19), que traz dados de novembro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que o índice de cidadãs e cidadãos praticando quarentena restrita no mês foi de apenas 11,1%. Mais de 10 milhões de pessoas não colocaram em prática nenhuma medida de distanciamento.
Em participação no podcast A Covid-19 na Semana, a médica de família e comunidade Nathalia Neiva dos Santos, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que "as festas do final do ano, combinadas com as férias de janeiro e a perspectiva de turismo e deslocamento, vão trazer uma possibilidade de aumento dos casos".
A fórmula que reúne testagem em massa, rastreamento e isolamento dos contatos de contaminados e distanciamento da população em geral é considerada a mais efetiva para conter a propagação da covid-19 enquanto não há vacina.
De acordo com projeções da plataforma Geocovid, em um Brasil com a vida totalmente normalizada e zero isolamento, até o fim de janeiro, o número de contaminados passaria de 11 milhões.
Por meio da iniciativa, também é possível estimar a demanda hospitalar potencial sem as medidas de isolamento. Em trinta dias, seriam necessários mais de 50 mil leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Atualmente, cerca de 90% das cidades brasileiras não contam com estruturas dessa natureza. Os cidadãos precisam se deslocar a outros municípios para receber tratamento.
Nathalia Neiva destaca também que o declínio econômico vai dificultar ainda mais o combate à covid-19.
"Nós estamos no meio de uma epidemia, sem perspectiva de melhora, a não ser que a gente tenha um plano de imunização de fato, com prazos, datas e isso sendo colocado em prática. Mas também vamos viver uma piora sem o auxílio emergencial, aumento no desemprego. Isso impacta na saúde das pessoas", aponta.
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A médica ressalta que o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o corte de gastos públicos têm potencial de mostrar suas piores consequências em meio à crise sanitária, sem perspectiva de recuperação do Produto Interno Bruto (PIB).
"Isso impacta, inclusive, em outras doenças que a gente tem vivenciado e até mesmo no próprio financiamento do SUS. O que a gente tem sentido, enquanto profissionais da saúde, é que nós estamos em uma panela de pressão", afirma.
Neiva lembra que a redução do orçamento do SUS ano a ano, fruto da emenda constitucional 95, conhecida como "teto de gastos", ocorre em um cenário de alta pressão para o sistema.
"É previsto para o próximo ano que a gente tenha uma perda de aproximadamente R$ 35 bilhões. Isso entra como acesso a medicações, leito de internação, equipes de estratégias de saúde da família. A gente está vivendo um momento de constrição de recursos, piora de vida das pessoas, ao mesmo tempo em que a quantidade de pessoas que a gente tem que abarcar enquanto sistema de saúde está ampliada. A conta não fecha", conclui.
Edição: Leandro Melito