O debate público em 2020 não foi só guiado pela pandemia da covid-19, mas também pela luta antirracista.
O combate à desigualdade racial e o genocídio da população negra teve seu chamado mais efetivo, em maio, com a morte de George Floyd após violenta ação policial em Minnesota, nos Estados Unidos.
O homem negro de 46 anos foi asfixiado por um policial branco até a morte. Fortes imagens filmadas por testemunhas mostraram que Floyd proferiu a frase “não consigo respirar” repetidas vezes enquanto estava sendo sufocado. As manifestações por justiça ao homem negro foram registradas nas ruas do município de Minneapolis em plena pandemia da covid-19.
Levante Global
Em pouco tempo, os atos se espalharam por diversos países, dando início a uma revolta antirracista global que denunciou a violência policial e o racismo estrutural das forças de segurança. A derrubada de estátuas com representações que remetem ao racismo marcou o período.
No Brasil, o movimento negro também saiu às ruas. Mas não só por Floyd, mas contra Jair Bolsonaro (sem partido) e a “escalada do fascismo”. Em junho, manifestações também cobraram justiça pela morte de Miguel Otávio, filho da empregada doméstica Mirtes Renata de Souza.
A criança de 5 anos caiu de um edifício de luxo no Recife, após negligência de Sarí Corte Real, a patroa de sua mãe e primeira-dama de Tamandaré, no litoral pernambucano. Na avaliação de entidades, a morte teve “raízes escravocratas”.
O caso de Guilherme Silva Guedes, adolescente de 15 anos encontrado morto em Diadema, na Grande São Paulo, também gerou indignação e revolta nas ruas da Vila Clara, zona sul de São Paulo, para exigir que a Justiça alcance os responsáveis pelo assassinato.
Pautas antirracistas ganham peso em pleitos eleitorais
Além dos protestos, 2020 mostrou que já não há mais espaço para o debate político sem a luta antirracista. Nos Estados Unidos, a mobilização negra foi considerada determinante para a virada histórica do democrata Joe Biden contra Donald Trump na Geórgia, um dos “estados-chave” da corrida presidencial estadunidense.
No Brasil, o levante antirracista também surtiu efeito nas eleições municipais, com o anúncio de um 2021 mais representativo nas casas legislativas e em favor das demandas históricas do povo negro.
No total, 81 candidaturas comprometidas com a Agenda Marielle foram eleitas em 54 cidades do país. A agenda, formulada pelo Instituto Marielle Franco, reúne um conjunto de compromissos com as políticas antirracistas, feministas e lgbt´s defendidas pela ex-parlamentar - assassinada brutalmente por milicianos há mais de mil dias, em um crime ainda sem a punição dos responsáveis.
Além disso, a Câmara Municipal de São Paulo, que não tinha mulheres negras ocupando suas 55 cadeiras, agora terá três vereadoras: Erika Hilton, Luana Alves e Elaine Mineiro, do Quilombo Periférico, todas do Psol.
"Enquanto houver uma de nós de pé, a nossa herança, a nossa ancestralidade, não vai morrer, não vai tombar. Podem tombar a nossa carne, podem tombar o nosso corpo. Mas a nossa luta, a nossa garra, ela é ancestral”, disse Erika Hilton, em seu discurso emocionado na Avenida Paulista, durante a 17ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo. Periférica, negra e trans, Hilton foi a parlamentar mais votada do Brasil no pleito eleitoral.
A brutalidade do Carrefour
Nas vésperas do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data histórica para a reflexão sobre a posição social da população negra no país – os mais afetados pela desigualdade e pela violência no Brasil - um caso de brutalidade parou o país.
João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por um segurança e um policial militar dentro de uma loja da rede Carrefour, em Porto Alegre (RS).
No mesmo dia, Hamilton Mourão, vice-presidente da república, chegou a declarar que não existe racismo no Brasil ao comentar o assassinato do homem negro. A rede de supermercados já carregava um histórico de violências envolvendo os clientes e os próprios funcionários.
Em resposta à morte brutal, atos articulados pelo movimento negro em várias partes do país, levaram indignação às ruas. A mensagem foi clara: o extermínio das vidas negras não será mais tolerado.
"As palavras, a política, o diálogo não têm sido suficientes. Nós precisamos reagir com o mesmo peso das mãos que matam a gente todos os dias", declarou Douglas Belchior, fundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos, no dia em que manifestantes destruíram uma loja do Carrefour, em São Paulo, em resposta ao assassinato de João Alberto.
Edição: Michele Carvalho